Humor ácido, escatológico, agressivo e zoação com absolutamente tudo. É o que você encontra em Smegma
Uma das zines – para maiores de 18 anos – mais malucas da atualidade, Smegma Comix traz as aventuras de Rivalino e Chupacabra no pacato município de Rancho Feliz.
O responsável pela publicação é Pablo Carranza, autor do mais novo clássico underground brasileiro: Podrão Aniquilação (2021).
Smegma Comix foi publicada pela primeira vez em 2015 e está com cinco volumes impressos. Todos pela editora Beleléu. Apesar de ser em formato de zine, o acabamento editorial e gráfico é excelente.
Os protagonistas de Smegma
Rivalino é um desocupado, inescrupuloso e repetente rancho-feliciano – há mais de 14 anos na 4ª série do fundamental – que busca conquistar seus objetivos das formas mais estapafúrdias possíveis.
Já Chupacabra – uma bela homenagem a esta figura mítica latina – foi criado por Carranza como um verdadeiro chato. Certinho, vegetariano, professor de poesia e usuário de camisetas “GAP”.
Rivalino e Chupacabra, protagonistas e amigos inseparáveis do Rancho Feliz
Apesar das diferenças, os dois são amigos e dividem a mesma casa. Não precisa ser muito inteligente para deduzir para quem sobra a conta das confusões de Rivalino, né?
Uma das histórias mais divertidas, inclusive, é “Freak-Food”, presente em Smegma Comix #2 (2015). Enquanto Chupacabra vende lanches vegetarianos naturais e gourmets de soja para fazer renda, Rivalino abre o primeiro “Mequidonis” de Rancho Feliz. A novidade cria um reboliço entre os moradores e vira sucesso.
O problema surge quando um inspetor nacional da rede de fast food passa a comer todo dia de graça enquanto Rivalino e Chupacabra – que se autointitulou sócio do empreendimento – não apresentam bandejas desenhadas dentro do padrão de qualidade “Mequidonis”.
Não se engane pelos ótimos desenhos cartunescos e divertidos de Pablo Carranza. Smegma Comix é cheia de escatologia, sexo, palavrão, cenas impactantes e violência. De humor ofensivo e agressivo. O contraste da arte lúdica com as bizarrices da mente de Carranza acabam sendo um dos pontos fortes da zine.
Paródias e “homenagens”
As paródias são uma diversão à parte. E não têm o menor respeito pelas obras originais. Vemos Mad Max: Estrada da Fúria (2015) virar o Mad Hipster, um paulistano ridículo e xenofóbico que, em uma São Paulo pós-apocalíptica e seca, tenta roubar água da “baianada”.
Em outra história, na Smegma Comix #4 (2016), Carranza mistura Turma da Mônica com o estranhíssimo filme A Centopeia Humana (2009) – se você não conhece, talvez seja melhor não conhecer –. É quando vemos um Jotalhão mulherengo e usuário de drogas que, após o cancelamento de sua revista, vira alcoólatra e chega ao fundo do poço.
A síndrome de vira-lata ataca em “Crackunaíma”, paródia de um clássico da literatura e dos cinemas
Mesmo obras intocáveis da literatura e do cinema nacional ganham sua versão depravada na zine. Macunaíma (1969) se torna Crackunaíma, um preguiçoso viciado em crack que não satisfaz a mulher e precisa buscar drogas na cidade grande.
Carranza “homenageia” ainda os Jetsons, Snoopy, Luciano Huck, o reality show A Fazenda, o poeta Manuel Bandeira e muitos de seus colegas de profissão.
Vale destacar ainda a seção Smegmatiras, com um estilo de arte eclético que emula diversos artistas, e um e-mail enviado pela Laerte esculachando uma delas na Smegma Comix #4 (2016).
Para reflexão
Uma crítica implícita e recorrente na Smegma é a padronização do que se entende por uma boa HQ hoje em dia.
Quando não pop e fofinhas, para ganhar alguns críticos e fazer a cabeça de muitos leitores, as obras precisam se enquadrar em um molde de sofisticação e conter críticas sociais ou reflexões introspectivas sobre o ser humano.
Convenhamos, se é bom que a “arte sequencial” ganhe novos contornos e novas complexidades – não tão novas assim, vide Breccia e Oesterheld –, que nostalgia nos dá lembrar das publicações cômicas e undergrounds que choviam nas bancas de jornal e nas tirinhas diárias dos anos 1980 e 1990. Mad, Neuman, Chiclete com Banana, Bob Cuspe, Piratas do Tietê, Spy vs. Spy e tantos outros que o digam.
Em muitos casos, a crítica social e cotidiana estava presente, mas imperava o humor ácido, irônico, a diversão – mesmo que rindo da própria tragédia –. Às vezes, sobretudo em momentos de caos, o que se quer é uma leitura para rir. Que dê um “cruzado” nas chatices e no peso do dia a dia.
E vou mais longe, uma zine que não se prende a regras e rompe com contratos sociais moralistas pode ser, por si só, revolucionária. Não? Ou apenas de muito mau gosto.
Vale a pena ler a Smegma Comix?
Tomarei a liberdade de copiar abaixo um trecho do Smegmail (antiga e tradicional seção de cartas do leitor) da Smegma Comix #3 (2015) enviado pela própria lenda dos quadrinhos independentes Marcatti:
“A SMEGMA é uma revista horrível! É agressiva quando não devia ser e as histórias são chulas e idiotas. As piadas são gratuitas e seu humor desagradável. A SMEGMA é inconveniente, irritante e desconfortante. Em resumo: imprescindível!”
Sou obrigado a concordar. Nada de intelectualidade pedante. Histórias simples, divertidas, escatológicas, sem sentido e nem um pouco politicamente corretas.
Existe uma turma talentosa – da qual Pablo Carranza se destaca – buscando mostrar que ainda existe muito campo para o underground no Brasil. É isso que presenciamos na Smegma!
Não vou nem perder tempo dizendo que você deve ler a Smegma Comix se curtia as revistas Mad e Chiclete com Banana, pois pode ser justamente um ótimo primeiro contato com esse estilo divertido, impactante, agressivo e escatológico de humor.
*A Smegma Comix não está à venda na Amazon, mas pode ser encontrada na loja digital do Pablo Carranza: MauGosto Corp.
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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