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Você já se pegou discutindo qual editora é melhor: Marvel ou DC? É claro que essas marcas nem sempre existiram. No início da década de 1930, dois grandes nomes eram o da National Newspaper Syndicate e da King Features Syndicate – mesma de Mandrake e Fantasma –, distribuidoras de tirinhas para jornais diários.
Era por meio de organizações desse tipo que diversos impressos dos EUA e do mundo publicavam as mesmas histórias sequenciadas, permitindo que um grande público acompanhasse as aventuras de heróis como o Flash Gordon.
Se você está se perguntando onde as revistas pulp se encaixavam nessa época, explicamos: elas eram um material mais barato, feitas em papel a partir de polpa de celulose, voltadas para histórias mais rápidas e sensacionalistas. As tiras de jornal eram mais rentáveis para os artistas.
Dito isso, a National Newspaper Syndicate detinha os direitos de Buck Rogers, o primeiro herói espacial que, devido ao sucesso, havia originado brinquedos infantis e posteriormente alcançado diversas mídias, incluindo o cinema e a televisão. Rogers começou nas revistas pulp antes de estrelar nas tiras diárias.
A King Features Syndicate, para fazer frente à concorrência, abriu um concurso de ilustrador pensando em publicar um novo personagem sci-fi. O vencedor foi Alex Raymond – criador do Agente Secreto X-9 –. Os roteiros eram de Don Moore, embora não creditado.
Flash Gordon pelas mãos de Alex Ross
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Em janeiro de 1934, então, há mais de 80 anos, surgia Flash Gordon, herói com uma pegada de aventura e ficção. Uma das melhores formas de conhecer a essência de Flash Gordon é ir para sua origem, nas tiras dominicais.
Entre 2015 e 2017, o selo Pixel Media – da Ediouro Publicações – lançou dois encadernados de luxo com as primeiras histórias do personagem. A primeira edição, intitulada Flash Gordon: No Planeta Mongo, traz as tiras de Flash Gordon a partir de seu lançamento, de janeiro de 1934 a abril de 1937, com nove histórias, formato widescreen, 208 páginas.
As duas edições que a Pixel trouxe para o Brasil, compilando histórias de 1934 a 1941
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Qual o enredo das primeiras tiras de Flash Gordon
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Em Flash Gordon: No Planeta Mongo, acompanhamos a chegada de Dale Arden, Dr. Hans Zarkov – o “cientista mais famoso da Terra” – e Flash à Mongo, planeta governado por Ming, um ditador tirano que se considerava o senhor do universo. O evento de abertura é um tanto rocambolesco.
Enquanto Dr. Zarkov estuda uma forma de salvar o mundo de um cometa que destruirá a Terra, Flash, ainda um jogador de polo da Universidade de Yale, e Dale Arden, sua amada, são atingidos por um meteoro durante uma viagem de avião e caem de paraquedas no terreno do cientista.
Dr. Zarkov, aparentemente fora de si, apontando uma arma para o casal, ordena que todos entrem em um projétil que seria direcionado para se chocar com o cometa. “Vamos morrer, ouviram? Seremos mártires da ciência”, conclama ele. O resultado é que os três conseguem sobreviver e salvar a Terra, mas o projétil cai no misterioso planeta Mongo.
As edições da Pixel trazem um painel dominical completo por página, informando a data de publicação original
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É lá que as muitas aventuras do herói acontecem, como a fuga de Flash dos calabouços de Ming, o enfrentamento de diversas criaturas e monstros extraterrestres como os esmilodontes, o salvamento de Dale – aprisionada pelo vilão, que buscava se casar na marra com a mocinha -, e por aí vai.
Além de Zarkov, Dale e o terrível Ming, é também nessa primeira fase que conhecemos importantes aliados de Flash, como o príncipe Barin de Arbórea, que posteriormente se casa com Aurea, filha de Ming, e o príncipe Thun dos Homens-Leões.
O segundo encadernado é Flash Gordon: O Tirano de Mongo, no mesmo formato do anterior, que reúne as tiras de abril de 1937 a janeiro de 1941. A história tem início com Ming acreditando que Flash está morto, mas o herói está em Arbórea, protegido pelo reino de Barin. Um traidor entre eles, porém, fará de tudo para levar a informação ao ditador de Mongo, o que acarretará em todos os desdobramentos e desafios desta sequência.
Um dos grandes destaques do segundo volume é a evolução na arte de Alex Raymond.
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A arte de Alex Raymond em Flash Gordon
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Alex Raymond presava pelo realismo, inspirado nos desenhos de Hal Foster – criador do Príncipe Valente, uma tira dominical de enorme sucesso que surgiu em 1937 –. Ambos trouxeram a formula artística detalhada dos livros de histórias e revistas do início do século XX para os quadrinhos, o que foi inovador para a época.
No princípio, Raymond criava os personagens humanos como os outros quadrinistas, direto de sua imaginação. Mas, com o passar dos anos, ele começou a utilizar modelos vivos para orientar suas ilustrações, gerando o realismo gráfico que influenciaria tantos outros artistas daquele período e da atualidade.
Raymond orientando a modelo, fórmula que trouxe das ilustrações de revistas para os quadrinhos
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Um deles é Alex Ross, tido entre muitos como o preferido entre os desenhistas de super-heróis. “No que me diz respeito, o seu trabalho foi uma influência fundamental na minha carreira, e o seu bastão de realismo na ilustração foi passado para muitos artistas que, assim como eu aplicam seus mesmos princípios aos quadrinhos que nós conhecemos hoje”, afirma Ross.
De acordo com o próprio Raymond, ele levava “quatro dias e quatro noites para terminar uma página dominical.” Após o primeiro desenho, o ilustrador utilizava a técnica do pincel seco, que consiste em passar a tinta com pouca umidade para o papel, dando uma sensação bem realista de dégradé e luz e sombra.
Alex Raymond seguiu nas tiras de Flash Gordon até 1944, quando se alistou na marinha norte-americana e serviu durante a Segunda Guerra Mundial. A fase final dele na tira, de janeiro de 1937 a fevereiro de 1944, possui um encadernado, mas por enquanto, infelizmente, só foi lançado nos EUA.
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As influências de Flash Gordon
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Flash Gordon foi criado para concorrer com Buck Rogers, inspirado também em John Carter – que a própria King Features Syndicate tentou trazer de forma mal sucedida para seu panteão –. Mas foi tão revolucionário que se tornou uma das tiras de maior sucesso do período.
Flash Gordon com roupa de borracha de eletricistas e Flash – da DC – em seu traje clássico
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No meio dos super-heróis, a influência de Flash Gordon foi definitiva. Se hoje o Super-Homem é tido como uma representação incorruptível de se fazer a “coisa certa”, Flash Gordon já ostentava estes ideais quatro anos antes.
Flash era um herói puro de coração, que transmitia a bondade e defendia até os traidores e assassinos, que para ele deviam ser punidos dentro dos limites da justiça. Mas a influência sobre o Super-Homem é ainda maior. Segundo Ross nos lembra no material extra de Flash Gordon: No Planeta Mongo, Krypton, Jor-El, os kryptonianos e os cenários extraterrestres de sua origem são claramente inspirados no planeta Mongo.
O visual e as roupas das tirinhas de Gordon apresentaram algumas imagens que depois associaríamos a Robin e Flash da DC Comics, entre outros. Flash Gordon tinha uma boa variedade de uniformes e equipamentos – assim como os outros personagens da tira –, o que serviu de inspiração para diversos super-heróis.
Dale em um uniforme de Arbórea e, ao lado, Robin em sua primeira aparição, na Detective Comics #38 (1940)
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Um herói sci-fi da DC que voltou a ser lembrado com a minissérie Estranhas Aventuras (Strange Adventures) de Tom King também foi influenciado pelas tiras: Adam Strange. Apesar da relação óbvia de gênero, Flash foi pioneiro na pistola de raio laser na ficção, uma marca posterior do astronauta da DC. Se você já leu a recente obra de Tom King sabe, inclusive, o destaque que a arma laser recebeu.
Coincidência ou não, em 1936 saiu uma revista pulp com o título de Flash Gordon Strange Adventure Magazine, em volume único, publicada por Harold Hersey. Até o Capitão Marvel – o da Marvel, não o atual Shazam! – usa um uniforme que se assemelha a uma das vestimentas clássicas do Flash Gordon com uma estrela no peito, mas as cores preta e vermelha invertidas.
Apesar de as influências de Flash Gordon serem incomensuráveis, não é possível encerrar o tema sem citar possivelmente a maior delas: Guerra nas Estrelas (Star Wars).
George Lucas tentou negociar com a King Features Syndicate na tentativa de fazer um filme do Flash Gordon. Provavelmente para a nossa sorte, não deu certo, pois ele teve que criar um universo do zero que conhecemos bem – ainda que com bastante de Flash Gordon –.
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Flash Gordon em outras mídias
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Apenas um ano após a estreia de Flash Gordon nos quadrinhos, o herói ganhou uma série radiofônica semanal em 26 episódios de 15 minutos na Califórnia. Em 1936, a Universal Pictures fez uma série cinematográfica do Flash Gordon que era transmitida semanalmente nos cinemas. Larry “Buster” Cabbe, um campeão olímpico de natação que já havia interpretado o Tarzan, foi o protagonista.
Muitas aparições de Flash Gordon seguiram pelo século XX, mas foi em 1980 que ele ganhou um longa-metragem trash com direito a trilha-sonora composta e gravada pela banda Queen. O filme, dirigido por Mike Hodges, tentou seguir fielmente os quadrinhos de Raymond, o que gerou um misto de adoração – pelos fãs – e breguice, já que as percepções de futurismo da década de 1930 estavam bem ultrapassadas.
Independentemente das cores e exageros da produção, ela acabou gerando uma flashmania que reinseriu o personagem na cultura pop. E mais recentemente, com o trabalho da Pixel Media, por meio das primeiras tiras de Flash Gordon desenhadas por Alex Raymond, temos a oportunidade de conhecer a origem desse personagem que marcou a história da ficção científica, das aventuras espaciais e dos super-heróis dos quadrinhos.
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Créditos:
Texto: David Horeglad (HQ Ano 1) e D’Artagnan S. Deliberto (Dart Nerd)
Imagens: Reprodução
Edição: João Pedro Maia
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