Board Games e Pandemia – O que é essa nova febre da quarentena?

Em 8 de Mar de 2021 • 11 minutos de leitura
Board games

Escavações de 7.000 anos atrás revelam a presença de dados e outros componentes, sejam em túmulos de faraós ou junto aos lavradores da Etiópia. Fato é que os jogos lúdicos estão presentes em toda sociedade desde que a humanidade começou a viver coletivamente. Os jogos de tabuleiro (board games) estão presentes no Brasil desde a década de 40, invadindo os lares através do “Banco Imobiliário”, “War” ou mesmo um “Cara a Cara”.  Com a chegada dos anos 90, essa indústria começou a perder espaço.

Consoles de vídeo game e computadores domiciliares ficaram mais acessíveis e, pouco a pouco, as famílias trocavam a tarde chuvosa jogando dados, pelos joysticks em frente à TV. Atualmente, com a pandemia vimos uma volta dos “Board games”, inclusive nos meios digitais, mas será que o COVID-19 é o responsável pela volta dos jogos “off-line” ou vírus foi apenas a gota que faltava para reaquecer o mercado? Vamos acompanhar a trajetória completa dos jogos, conhecer o mercado no Brasil e no mundo para depois olhar para o futuro e entender o que nos espera.

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Vamos mergulhar no mundo dos board games

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O dado turco e o jogo da realeza

Ainda é difícil precisar a origem exata dos jogos de tabuleiros, mas diversas peças e componentes foram descobertos em escavações arqueológicas. Como consenso da presença de jogos lúdicos nós temos os “dados turcos”. Outro achado foram os pequenos objetos encontrados em 2013, pelo arqueólogo Haluk Saglamtimur, que o denominou de “Cães e Porcos”. Cerca de 30 peças representavam animais, outras quatro peças em formato de balas e quatro de pirâmides com protuberâncias nos cantos, o que faz o arqueólogo acreditar que tenham sido usadas como dados.

Essas peças datam de aproximadamente 5 mil anos atrás, isso coloca o “Cães e Porcos” ao lado de “Senet” (Egito/3.500 a.C.) e do “Jogo Real de Ur” (Suméria/ 2.500 a.C.) como os jogos mais antigos já registrados. O “Jogo Real de Ur” é considerado como jogo mais longevo da história, sendo comercializado até hoje com regras semelhantes à primeira encontrada.

Registro do “Senet”, um board game de 3500 AC

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A revolução americana dos board games

Você pode se perguntar como caixas de pedra e componentes feitos de ossos evoluíram para algo como o “Banco Imobiliário”. Foram precisos quase sete mil anos para isso. Em 1904 Elizabeth Magie (Lise) lança o “The Landlord’s Game”, com o intuito de explicar o “Single Tax” do economista Henry George, inaugurando não só o mercado jogos de tabuleiro como é hoje, como também apresentou no mesmo jogo o conceito dos jogos educacionais.

Na década de 1930 os Parker Brothers compram a licença do jogo de Lise e, com a ajuda de Charles Darwin, que adaptou as regras, criou-se então o “Monopoly”, que viria a ser o jogo mais famoso e bem-sucedido do mundo.


O sucesso do board game Monopoly foi tanto e perdura há tantos anos que existem as mais diferentes versões

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E os boradgames no Brasil?

Antes de qualquer jogo de dados chegar às terras tupiniquins, o “jogo da onça” ou “adugo” era jogado por diversas tribos pelo Brasil. Muito se especula sobre sua origem e data de criação, porém a única certeza que temos é que o jogo já estava presente nas aldeias muito antes da colonização. O jogo consiste em uma mecânica de captura (semelhante ao jogo de damas) entre uma onça e 14 cachorros. Um jogador controla a onça que tem o objetivo de comer 5 cachorros, enquanto isso o controlador dos cachorros precisa deixar a onça encurralada (sem opções de movimento). O tabuleiro era traçado no chão e pedras eram usadas como peças. Agora vamos dar um pequeno salto no tempo.

Representação atual do que seria o jogo Adugo das tribos indígenas

Em 1939 o alemão Siegfried Adler viu em uma fábrica de bonecas de pano e carrinhos de madeira, na zona leste de São Paulo, a oportunidade de transformar aquele espaço na primeira fábrica da “Estrela”, que viria a ser o marco inicial de uma nova fase para o mercado de brinquedos. Ainda que a “Estrela” tenha muitos acertos, a alavanca principal de seu sucesso foi em 1944, quando licenciou o “Monopoly” e o lançou no Brasil com o nome de “Banco Imobiliário”. O jogo está presente até hoje nas lojas e foi líder de vendas até a chegada dos jogos eletrônicos no final dos anos 80. Começava assim a se apagar a luz própria dos jogos de tabuleiro, seria esse o seu fim?

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A era de ouro e a chegada dos “Tabletops”

Entre as décadas de 40 e 80 tivemos o que foi chamado de “época de ouro” dos jogos de tabuleiro. No Brasil e no mundo surgem jogos que perduram até hoje como “clássicos”. Um movimento que se repete muito nesse período é a adaptação dos nomes para que sejam lançados em outros países. Um bom exemplo é o “Risk”, que foi uma adaptação do jogo francês La Conquête du Monde (“A Conquista do Mundo”) feita pela “Parker Brothers”, mas que chegou ao Brasil como “War” (GROW).

Assim como “Monopoly” o board game War já teve diversas versões. Clique na imagem para comprar a versão clássica.

Exemplos dessa pratica não faltam, como o “Detetive” que originalmente era “Clue”. Esse movimento do mercado ajuda a consolidar jogos e mecânicas especificas que são reconhecidas até hoje. Porém, no final da década de 80 e início dos anos 90 começam a surgir jogos com um lado lúdico em destaque, focando ainda mais em regras e interpretação do que na competitividade em si.

No longínquo ano de 1974 surge o D&D, famoso Dungeons and Dragons, o RPG mais famoso do mundo que obteve seu devido sucesso no Brasil a partir do final da década de 1980. Com o sucesso do D&D, os próximos anos trouxeram diversos outros RPG’s e também jogos de carta como Spellfire e Magic: The Gathering. Mas afinal, RPG é um jogo de tabuleiro?

Embora muitos se confundam com isso, o termo “jogo de tabuleiro” que vem diretamente do inglês “board game”, não é uma expressão tão abrangente. É comum “board game” ser aplicado apenas para jogos que tenham um tabuleiro, ao contrário do Magic ou mesmo do D&D. Jogos de RPG ou de cartas precisam apenas de uma superfície, ou melhor, de uma mesa. Por isso o termo “tabletop game” (jogo de mesa) foi criado e poderia englobar todos esses estilos “off-line” de jogos, pondo um fim a essa questão.

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“Board Game” ou “Jogo de Tabuleiro”

Ainda que esse ponto pareça ter sido esclarecido no tópico acima, muitos podem notar que existe sim diferença quando empregamos o uso de cada um desses termos, mas para isso, precisamos voltar a 1995. Com a chegada de consoles de vídeo game mais modernos e o boom dos computadores domiciliares, pouco a pouco as pessoas passaram a migrar para os jogos digitais. Assim a indústria dos “tabletops” entrou em crise e quase deixou de existir, encerrando assim a “era de ouro” dos jogos de tabuleiro.

Acontece que na Europa, principalmente na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, era proibido criar jogos de guerra. Com esse novo entrave, a indústria de jogos foi forçada a se adaptar. Sem a possibilidade de um confronto direto entre os adversários, diversos sistemas de pontuação, captação de recursos e muitas outras mecânicas foram desenvolvidas. Com isso, o mercado de jogos de tabuleiro se dividiu ao meio, passando a ter um estilo americano (ameritrash) e um estilo europeu (eurogame).

Ainda que muitos detalhes os diferenciem, os principais pontos que se destacam são: a ausência de combate direto no eurogame; a presença marcante de elementos de sorte no ameritrash; peças mais artesanais no eurogame e uma forte influência dos RPG’s nos jogos americanos.

Até 1995 o mundo ficou assim, dividido quase que geograficamente por seus tipos de jogos, porém, aqui surge um divisor de aguas, “Colonizadores de Catan”. Um eurogame com todas as características fundamentais do seu estilo, mas adaptando também alguns elementos do estilo americano (como dados de sorte). A união dessas mecânicas no jogo fez algo nunca antes visto. “Colonizadores de Catan” invadiu o mercado americano e iniciou a assim chamada “era contemporânea” dos jogos de tabuleiro. Os jogos lançados a partir desse momento passam a ser chamados no Brasil de “Board Games”, que, embora sejam essencialmente a mesma coisa que “Jogo de Tabuleiro”, ficaram restritos popularmente a jogos modernos.

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COVID-19, quarentena e os Board games

Em 2020 nós tivemos a chegada do Coronavírus (COVID-19) e acompanhado dele, uma crise mundial. A alta taxa de transmissão, índice elevado de mortalidade e a falta de conhecimento da doença fez com que todos se trancassem em casa. A retomada da convivo familiar, a exposição exaustiva às más notícias e à depressão (que já era a doença do século), nos fez fugir de telas de cristal líquido e voltar a jantar juntos. Com o tempo, naturalmente a necessidade de uma atividade coletiva ganhou importância no nosso dia-a-dia. E o que poderia unir jovens, adultos, idosos e até mesmo crianças? É claro, jogos de tabuleiro!

A retomada dos jogos foi tão grande que até mesmo os ambientes digitais se curvaram, diversos simuladores de jogos de tabuleiro ganharam espaço na mídia. A mesa de casa é substituída por softwares que simulam os componentes dos jogos e através de aplicativos de conversa, como o Discord, amigos que estão distantes conseguem jogar.

Os jogos de tabuleiro deixaram de ser apenas diversão e se tornaram um recurso de sanidade mental. Com uma rápida busca por grupos de jogos no Facebook ou páginas de empresas do mercado, podemos encontrar comentários agradecidos e juras de amor pelos jogos que salvaram pessoas da depressão, da solidão ou mesmo de outros vícios menos saudáveis.

Com tantos pontos positivos, o reflexo final não poderia ser outro: o mercado voltou a se aquecer e, como uma fênix, ressurgiu no momento mais crítico. Em meio à crise, com empresas fechando, tivemos aqui o triunfo da criatividade e da fantasia sobre o isolamento.

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Mercado “off-line” e uma visão do futuro

Em 2018 tivemos 5 mil novos títulos lançados no mundo. Nos Estados Unidos, no ano de 2019, foram abertos 3500 novos estabelecimentos focados em “tabletop games”. As perspectivas para o mercado já eram ótimas, mas a pandemia veio para reforçar ainda mais isso. O mercado não apenas resistiu à crise como se consolidou e até cresceu um pouco. De acordo com uma pesquisa revelada pelo statista.com, o valor de mercado global dos jogos de tabuleiro foi estimado em cerca de 7,2 bilhões de dólares em 2017. A TECHNAVIO apresentou um estudo no fim de 2019 onde acreditava que o mercado cresceria 2.15 bilhões de dólares.

No Brasil o mercado cresce firme, porém não tão aceleradamente. A área dos jogos de tabuleiro representa 10% das vendas de “brinquedos”, pois é o setor ao qual os jogos são ligados até o momento e movimenta cerca de 660 milhões de reais (2018). Até 2013 tivemos um mercado restrito a 5 empresas, hoje temos cerca de 30.

Ainda há um longo caminho pela frente até que o mercado se consolide no Brasil, mas já podemos ver esse momento no horizonte. Financiamentos coletivos de sucesso estão ligados diretamente a esse setor. É impossível não ser otimista olhando para tudo que vem acontecendo, mas isso só foi possível porque seus parentes nunca deixaram um dia chuvoso estragar suas férias, o “Banco Imobiliário” lá da parte de cima do armário veio para a mesa. Foi também porque quando você teve dificuldade para se expressar, a professora usou “Imagem e Ação” na aula e te ajudou a falar em público.

Valorize os jogos, valorize os momentos entre amigos, role os dados e nunca se esqueça: quando chegar ao final, grite bem alto “JUMANJI”!!! Aproveite também para ouvir o nosso Costelinha Games sobre Board games!

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Créditos:
Texto: Evandro Parreira – @nerd.resenheiro
Imagens: Reprodução
Edição: João Maia e Franz Lima (Apogeu do Abismo)

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