Verão (Leto) |
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Ano: 2018 |
Distribuição: Imovision |
Estreia: 15 de Novembro |
Roteiro: Mikhail Idov, Lili Idova, Ivan Kapitonov, Natalya Naumenko (memorias), Kirill Serebrennikov Direção: Kirill Serebrennikov |
Duração: 126 Minutos |
Elenco: Teo Yoo, Irina Starshenbaum, Roman Bilyk |
Sinopse: “No verão de 1981, o rock underground chegava na Rússia Soviética, mais precisamente em Leningrado, onde hoje localiza-se a cidade de St. Petersburg. Sob a influência de artistas internacionais, como Led Zeppelin e David Bowie, o rock vibrava na cidade, marcando o nascimento de uma nova geração de artistas independentes. O jovem Viktor Tsoi (Teo Yoo) ganhou fama internacional e tornou-se o primeiro grande representante russo do gênero. Além da música, ele também ficou conhecido pelas polêmicas relacionadas a sua vida pessoal, como o triângulo amoroso que viveu junto com o seu mentor musical, Mike, e a esposa dele, Natasha.”
[tabby title=”Alexandre Baptista”]
Integrante da seleção oficial de Cannes 2018, “Verão” retrata a alma do rock
Longa russo usa triângulo amoroso baseado em fatos reais para compor uma elegia ao rock dos anos 80
Por Alexandre Baptista
Estreia na quinta-feira 15 de Novembro, Verão (Leto), filme do diretor russo Kirill Serebrennikov, com roteiro do próprio, Mikhail Idov, Lili Idova, Ivan Kapitonov e Natalya Naumenko. O filme teve sua estreia internacional no último 08 de novembro, data que marcou também o segundo dia de julgamento do diretor Serebrennikov, acusado do desvio de ₽ 68.000.000,00 (Cerca de R$ 3.800.000,00) do fundo público russo destinado a produções teatrais.
O diretor Kirill Serebrennikov
Detido em carceragem em agosto de 2017, Serebrennikov foi posteriormente colocado em prisão domiciliar e só pode realizar as filmagens finais de Verão de maneira remota e com a ajuda de assistentes. A reclusão também o manteve fora do Festival de Cinema de Cannes em maio, onde manifestações em seu favor ocorreram durante as sessões de estreia do longa que fez parte da Seleção Oficial do festival.
Protestos em favor do cineasta durante a estreia de Verão no Festival de Cannes em Maio.
No entanto, embora alguns críticos indiquem a temática transgressora que permeia o filme como um reflexo da conturbada fase que vivencia o cineasta em sua vida real, o discurso panfletário e a necessidade de quebra de paradigmas parece vir, de fato, muito mais das memórias de Natalya Naumenko, viúva do músico Mike Naumenko, que serviram de base para toda a história, e da influência musical – proto-punk, punk, art-rock, new wave e experimental – que permeava sua vida no período representado no longa.
Baseado em fatos reais, o enredo se passa na União Soviética da década de 80, durante a cortina de ferro, e trata do cenário musical do Clube de Rock de Leningrado com atenção especial para a banda Zoopark de Mike (Mikahil) Naumenko (Roman Bilyk). A chegada de Viktor Tsoi (Teo Yoo) imediatamente muda os eixos de atenção do grupo de jovens que circunda Mike, incluindo a atenção de sua esposa Natasha (Irina Starshenbaum), que vê em Viktor um certo ímpeto nunca desabrochado completamente no marido. Ainda assim, o triângulo amoroso não é o suficiente para abalar a relação mestre-aprendiz entre Mike e Viktor e a odisseia de influências musicais que ambos atravessam no desenvolvimento do potencial musical do jovem segue em frente até a gravação de seu primeiro álbum, 45, já com sua banda Kino.
Mike Naumenko (esq. inferior) e Viktor Tsoi (dir.superior) na vida real…
…e em uma das cenas de Verão.
Quem precisa de T.V. quando se tem T-Rex?
É raro que eu escreva usando a primeira pessoa. Demonstra, na minha opinião, um certo amadorismo. Mas como posso escrever sobre rock e cinema sem deixar óbvio o meu envolvimento pessoal e parcial? Não posso. Não consigo. Então nada mais justo que abandonar a tentativa e mergulhar de vez na opinião identificada. E quem quiser chamar de amadora, sinta-se à vontade.
Não é raro, por outro lado, que eu fale durante o Sobrecast – o podcast do canal Sobrecapa – que a pior/melhor coisa pra estragar um filme é a expectativa: se ela está alta, é comum que o filme te decepcione; se ela está neutra ou baixa, é bem possível que o filme te surpreenda. E foi esse o caso de Verão: fui conferir o longa sem esperar muita coisa e saí de lá completamente fascinado. Espero sinceramente que este texto não crie uma expectativa grande em você e que isso seja motivo de uma decepção com o filme no final das contas.
Rodado em preto e branco na maior parte de suas cenas, ele começa com duas jovens entrando escondidas pela janela do banheiro do Clube de Rock de Leningrado. Ao fundo se ouve uma apresentação musical, um rock qualquer que já me remeteu às cenas eufóricas da Beatlemania – por associação à She Came In Through the Bathroom Window (Ela entrou pela janela do banheiro), faixa do álbum Abbey Road de 1969 – e toda a rebeldia que o rock sempre representou. A cena segue mais um pouco até que as garotas despistem os responsáveis pela casa e passem para a plateia. Elas fazem isso atravessando os camarins e o próprio palco já durante o show. A câmera que as segue vai focalizando as pessoas nos bastidores, seus trejeitos, posturas e atitudes que simbolizam sexo, drogas e rock’n’roll… até que nos deparamos com a plateia: jovens sentados de maneira praticamente inerte, mais comportados que os jovens da Hill Valley High School no Baile Encanto Submarino de De Volta para o Futuro.
E com esse choque cultural uma avalanche de similaridades e diferenças entre o Brasil e a U.R.S.S. dos anos 80 soterrou minha imaginação. A partir daí, em seus primeiros 5 minutos, o longa já tinha ganhado espaço na minha memória afetiva e era tarde demais pra não gostar dele.
A triste poesia dedicada ao rock dos anos 80 é escrita em cada cena do filme que, assim como Jonathan Coe em seus livros Bem-Vindo ao Clube e O Círculo Fechado, usa a história principal – o triângulo amoroso entre Viktor Tsoi, Natalya Naumenko e Mike Naumenko – apenas como pretexto para nos expor o panorama sócio-cultural vivido por aqueles indivíduos. O contraste entre o que entendemos por rebeldia, transgressão, blues, punk e new wave no ocidente e o que significaram de fato esses termos na Cortina de Ferro e no leste Europeu, encontra meios-tons na experiência musical brasileira.
Todo audiófilo que compartilhou suas descobertas musicais com algum amigo, mas em especial quem viveu os anos 80, vai se identificar nas cenas entre Mike e Viktor, descobrindo T-Rex, Lou Reed e o Velvet Underground, Iggy Pop e os Stooges, as mudanças de David Bowie e Blondie através dos LPs e fitas em rolo. Numa era pré-internet e sem muito acesso à informação, quem nunca treinou o inglês tentando “tirar a letra” das músicas de ouvido e traduzi-las em um caderninho? (Notem um detalhe rápido no caderninho de Mike, uma ilustração de Dark Side of The Moon no cabeçalho em uma das páginas).
Apesar de ser uma cinebiografia dos músicos russos, eu só descobri e percebi essa informação na exata última cena do filme. A presença de arquétipos da música, claramente marcados; a estrutura do roteiro e a presença do Cético (Aleksandr Kuznetsov) – personagem que aparece em algumas cenas para desestabilizar o eixo da narrativa – indicavam pra mim um nível de subjetividade que parecia tentar abarcar os grandes clichês do rock e coloca-los na perspectiva de uma sociedade que vivia dentro de um Estado de exceção. "Precisamos evitar os temas políticos. Escrever sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo.", diz Mike Naumenko em uma das cenas. Toque de recolher, pontes içadas impedindo a livre circulação das pessoas, jovens impedidos de seguir como parte de uma banda em função do serviço militar obrigatório, músicos obrigados a submeterem suas composições e letras ao Departamento de Censura para aprovação das mesmas, a venda e troca de artesanato no mercado local, pôsteres de bandas feitos à mão e o preço proibitivo de álbuns musicais – LPs e fitas de rolo – se apresentavam como a verdadeira história do longa, reforçadas nas cenas subvertidas pelo Cético. Sua simples presença já indicava ruptura, acompanhada por algum cover musical de uma das bandas ocidentais frequentemente citadas, transformando a cena em um grande clipe musical com presença de cores, animações e atitudes por parte dos personagens que eram posteriormente indicadas pelo Cético como mentiras: “Não foi assim que aconteceu”.
Saber por fim que a inspiração do longa vinha de fatos reais somente reforçou a ideia de que o rock, permeado muitas vezes de clichês e situações recorrentes em qualquer parte do mundo, é muito mais que um estilo musical. É um estilo de vida.
O longa venceu o Cannes Soundtrack Award, prêmio independente do Festival de Cannes e está na minha lista dos 10 melhores filmes sobre música ao lado de Amadeus e Whiplash.
Avaliação: Excelente!
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