Risca Faca (2021) – O Ultimato

Em 28 de Jan de 2022 • 5 minutos de leitura
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Conheça Risca Faca, de André Kitagawa, primeiro quadrinho da Editora Monstra

A novíssima Editora Monstra estreou no mundo das publicações em dezembro com Risca Faca (2021). A empresa é um esforço de Guilherme Lorandi, responsável pela Loja Monstra – point dos fãs de quadrinhos em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, que já possui até rótulo de cerveja artesanal –, unido de Guilherme Barata, da loja de camisetas As Baratas, e do quadrinista e ilustrador Benson Chin.

Risca Faca é um material inédito, com roteiro e arte de André Kitagawa em 120 páginas. Praticamente uma sequência de Chapa-Quente (2006), então último quadrinho do autor, uma coletânea de histórias curtas.

A nova obra, financiada pelo ProAC 2019, saiu em preto e branco com capa cartonada. Ao invés do tradicional verniz localizado, temos o nome da HQ destacado em superfície áspera, o que, propositalmente ou não, acaba alinhado à aspereza dos traços e do roteiro.

Qual a trama de Risca Faca?

No quadrinho, três histórias se cruzam em uma cidade imaginária que, ao menos a mim, remeteu muito àquela região entre Santa Cecília, Campos Elíseos e República, no centro da capital paulista, onde bares, companhias de teatro e prédios cinzas aproximam o baixo meretrício de universitários e descolados.

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Em Risca a Faca, o cenário principal é a noite urbana em tons de preto e cinza

“Filho da mãe”, primeira história, começa nas últimas horas de uma quinta-feira, durante o encontro de uma galera de classe média vidrada em aumentar seguidores no Instagram. Um deles, “Pirulito”, com um capuz de blusão, quieto e deslocado, diz morar perto do local e não consegue carona. Uma loira que dispensou o date na mesa ao lado pede que Piru a acompanhe até em casa, por segurança.

Cruzando o Elevado Presidente João Goulart – ou “Minhocão”, para os íntimos –, a garota começa a soltar frases do tipo: “Deviam expulsar logo essa gente daqui. Só servem pra aporrinhar a nossa vida”, referindo-se aos moradores de rua.

Pirulito desaparece sorrateiramente e entra em um edifício de aparência abandonada. Ele também não se salva – as esperanças no ser humano começam a estremecer –, entra no apartamento chamando a mãe de porca e resmungando da falta de dinheiro para comprar o whey protein, “voltar a ganhar massa” e “ser levado a sério.”

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O ápice da primeira história se dá em meio ao baixo meretrício da cidade

A mãe de Piru é Ryta dos Patins, uma antiga sex symbol de revistas eróticas, acima do peso e viciada em reality shows. Em determinado momento ela abandona o sedentarismo, se arruma e pega um taxi com o filho a seguindo escondido. Isso é apenas o começo da noitada, com desdobramentos perturbadores.

No segundo capítulo, a protagonista, Zoinha, encontra um grupo de garotas que vai ao centro da cidade para invadir um show de rock em uma mansão de mafiosos. Por fim, a história de “Jámorreu”, provavelmente a mais emocionante. Trata-se de um faxineiro de prostíbulo que trabalha em troca da marmita diária. Ele passa por tragédias durante a vida e acompanhamos alguns altos e baixos de sua biografia – quase sempre baixos –.

Vale a pena ler?

Risca Faca é um quebra-cabeças de diálogo ágil e coloquial que conecta três histórias de forma criativa e bem encaixada. Por vezes me peguei voltando algumas páginas para relembrar e comparar os momentos cruzados. O quadrinho é urbano, lúgubre, indigesto e humano. Focado nos excluídos.

Kitagawa não romantiza a pobreza. A crítica social está presente, dura e áspera, porém, como meio e não objetivo da narrativa, o que a torna tão interessante e longe dos clichês do didatismo que alguns quadrinistas adotam hoje. As interpretações ficam para o leitor.

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Cenas violentas e tarantinescas são comuns na HQ

O primeiro capítulo destaca o narcisismo e o fetichismo de uma sociedade onde reality shows e mídias sociais ganham importância e, em uma interpretação possível, o desprivilegiado se identifica com o próprio opressor. Cada trecho ou capítulo de Risca Faca vai gerando diferentes reflexões do tipo.

A crueza da psique humana retratada, esse mundo cão de Kitagawa, me remeteram bastante ao Capa Preta (2019), do Lourenço Mutarelli. Mas Risca Faca é externo, se finca na realidade, em cenários verossímeis e que qualquer morador de cidade grande pode reconhecer.

Mutarelli e Marcelo D’Salete, aliás, são os responsáveis pelos ótimos prefácios do quadrinho. A arte de Kitagawa – que passa de um desenho à mão em grafite à sobreposição de camadas cinzas e pretas no computador – é muito orgânica, suja e impactante. No conjunto, Risca Faca traz uma pegada underground e autoral das antigas e a Editora Monstra começa com o pé direito.

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Avaliação: Excelente!.

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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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