Aventuras maduras, personagens e vilões marcantes, tramas cheias de nuances e que fogem do lugar comum esperam o leitor que se aventurar em O Demolidor de Ann Nocenti. A obra mostra o herói tentando se reerguer após a lendária “A Queda de Murdock” de Frank Miller.
A fase faz simplesmente de tudo com o personagemi: introduz novos vilões (Mary Tifoide, Bullet..), o coloca em rota de colisão com antagonistas clássicos (Rei do Crime, Mephisto, Mercenário..), gera interação com outros heróis da Marvel (Capitão América, Pantera Negra, Homem-Aranha, Justiceiro, Wolverine..) e realmente movimenta a vida do Demolidor. O personagem se aventura de verdade e vê sua jornada mudar de direção muitas vezes – as histórias vão desde andanças pelos EUA até abrir uma clínica de direito para ajudar os mais necessitados.
O Demolidor de Ann Nocenti traz grandes nomes da Casa das Ideias na arte no decorrer de suas mais de 1.000 páginas – Barry Windsor-Smith, Greg Capullo, Lee Weeks, Kieron Dwyer e John Romita Jr. são alguns dos nomes que cuidam da arte nesse lendário run. A autora começou sua jornada com o Demolidor em “Daredevil” #236 de 1986 e finaliza sua passagem em “Daredevil” #291 de 1991! Os leitores brasileiros podem acompanhar a fase na íntegra em “A Saga do Demolidor” #1 – #9.
Dica para o leitor: Para você não ficar perdido e acompanhar da melhor forma possível a fase de Ann Nocenti no Demolidor é importante ler a fase de Frank Miller no herói. Vale dizer que a obra se passa pouco depois da “Queda de Murdock” e mostra o personagem lidando com a perda de sua licença para praticar advocacia, o retorno de Karen e sua busca por uma nova vida.
Nocenti também lida com as consequências de alguns eventos ligados aos X-Men, como “Inferno” e “Massacre de Mutantes”, e a Casa das Ideias como um todo (“Atos de Vingança”, por exemplo). Não é extremamente necessário conhecer os eventos, mas vale dizer que eles reverberam de alguma forma na HQ.
Rei do Crime segue querendo quebrar Matt Murdock na HQ O Demolidor de Ann Nocenti
As Tramas da HQ O Demolidor de Ann Nocenti
Matt Murdock está tentando reconstruir sua vida ao lado de Karen Page. Após perder tudo, o herói está confuso e buscando um recomeço. Suas ações como Demolidor estão sendo questionadas pelo excesso de violência e o personagem parece perdido e solitário – mesmo ao lado de Karen. Aliás, a vida do casal não vai bem já que a personagem parece amar Matt e temer o seu alter ego.
É nesse momento que surgem algumas das narrativas mais interessantes do run de Nocenti e vemos o herói lidando com situações inusitadas. Para ilustrar, podemos citar alguns acontecimentos como: o confronto com um trabalhador que busca vingança dos mais ricos, os conselhos e rusgas com a polícia, as interações com garotos de rua que admiram o Demolidor e muito mais.
Essa primeira etapa é totalmente urbana e a sensação é que o herói não é o personagem principal – ele é mais um elemento que movimenta essas ótimas histórias. De tudo que acontece nesse movimentado e longo run, digo sem medo que essa é a etapa que mais me agradou.
As coisas começam a andar para Matt quando Karen resolve abrir uma clínica de aconselhamento legal para os desafortunados que vivem na Cozinha do Inferno. Matt reluta em assumir um novo papel mas logo se adapta a essa nova fase que mescla bem o papel de Murdock e do Demolidor.
As narrativas que se apresentam aqui são mais clássicas e vemos o herói voltar a questionar a eficácia dos seus dois papéis e ambos geram alguma espécie de frustração para ele (principalmente por ele não poder atuar diretamente como advogado). Essa segunda etapa mantém a pegada urbana mas vemos figuras conhecidas, como o Rei do Crime, voltarem a ganhar os holofotes ao lado dos novos vilões como Mary Tifoide e Bullet.
O protetor da Cozinha do Inferno toma cerveja em um bar em uma das histórias do Demolidor de Ann Nocenti
É justamente o surgimento da clínica que traz o Rei do Crime de volta à vida de Matt. O vilão não admite ver o personagem se reerguendo e contrata Mary Tifoide para atingir o herói de uma forma nunca tentada antes.
A dinâmica que Tifoide traz para narrativa é interessante e tudo é colocado em xeque: a integridade de Matt, seu amor por Karen e seu papel como inspiração na comunidade. Esse novo embate com o Rei do Crime ainda coloca Murdock e seu ex-parceiro Foggy Nelson em lados opostos de um tribunal em um caso que envolve dejetos radioativos e um menino que acaba ficando cego.
O final desse arco de Nocenti não é bom para o herói que é dado como morto e passa a vagar pelos EUA. A sensação é que essa terceira etapa do run traz de volta algumas características do início da fase e temos o Demolidor sendo quase um coadjuvante que interfere em histórias/vidas com dinâmicas bem interessantes.
As andanças do herói o levam a interagir com uma fazenda de animais que atua de formas muito cruéis. Essa fazenda marca essa terceira etapa pois seu arco acaba envolvendo os Inumanos e uma nova e carismática personagem: a número 9. Criada em laboratório, a personagem é cativante e protagoniza cenas engraçadas e sequências mais profundas ao lado de Ultron. Sem sombra de dúvida, esse é um dos arcos mais inventivos de Nocenti e mistura – na dose certa – boas questões sociais com muita ação e aventura no melhor estilo Marvel.
Para fechar o Demolidor de Ann Nocenti, vemos o herói perder a memória e retornar a Nova York. Esse seu retorno é marcado por um novo confronto com o Rei do Crime e com o Mercenário. De todas as etapas da jornada do herói nessa fase, essa é a que menos me prendeu.
Nocenti tinha muitas pontas soltas para fechar e fiquei com a sensação de que o novo arco tirou espaço desses fechamentos. Podemos dizer, para exemplificar, que a relação com Karen e Foggy e o desfecho com Tifoide e o Rei do Crime parecem corridos e menos bem desenvolvidos que o restante do run.
O filho de Bullet é aterrorizado pelo medo da bomba atômica em uma das histórias do Demolidor de Ann Nocenti
O Demolidor de Ann Nocenti tem muitos méritos! Ainda que traga uma abordagem muito similar a de Miller em alguns momentos, ela leva a história por outros caminhos e propõe desafios diferentes para o herói – que passa por mudanças constantes de status quo e cenário.
A maior surpresa do run é, na minha visão, o confronto com Mephisto. A narrativa tinha tudo para não funcionar (não é urbana, envolvia os Inumanos,…), mas a autora trabalha de uma forma na qual ela não só funciona mas se destaca e isso acontece, principalmente, por conta do surgimento do filho de Mephisto. O confronto com Ultron também é outra passagem que foge do lugar comum e acaba prendendo o leitor.
Se Ann Nocenti inova nessas aventuras “inesperadas”, podemos dizer que ela também consegue deixar sua marca nas histórias mais urbanas. Seu texto parece mais filosófico e politizado do que o de Miller e nos deparamos com um Demolidor que lida com questões raciais e de classe e se pergunta constantemente sobre o certo e o errado – apesar de ter suas convicções bem definidas.
Uma das minhas aventuras urbanas favoritas de Nocenti é a que mostra o Demolidor interagindo com o Pantera Negra. O soberano de Wakanda não acredita em redenção a partir de certo ponto e o Demolidor luta pela redenção do vilão até o final da narrativa – se mostrando disposto até a confrontar T’challa se for necessário. Essa história – ao lado da trama que mostra um trabalhador se revoltando e buscando justiça – faz o run todo valer a pena
Pantera Negra e Demolidor tem visões diferentes de redenção em uma história do Demolidor de Ann Nocenti
Se você, assim como eu, acha as histórias do Demolidor meio repetitivas e copiadas da fase do Miller, a leitura do Demolidor de Ann Nocenti é uma ótima pedida. A autora traz histórias para todos os gostos: aventurescas, filosóficas (e cheias de questões sociais), recheadas de ação (seja essa ação urbana ou super-heróica) e muito mais.
Nocenti consegue impor um ritmo narrativo que funciona e varia de acordo com a trama que quer contar – o importante é que ele é sempre bem dosado e muito bem escrito. Um dos raros casos onde temos muitas camadas de leitura em uma série mensal de super-heróis.
Os vilões clássicos, como o Rei do Crime, funcionam bem ao lado de novos personagens como Mary Tifoide (que rouba a cena no arco que participa) e Bullet (o arco do filho do vilão é espetacular!) e a sensação de que o Demolidor corre perigo é real e frequente. Nada como bons vilões para fazer a trama andar e funcionar.
As únicas críticas que cabem no run, na minha visão, estão ligadas ao fechamento (que realmente parece atabalhoado e deixa muito para o próximo autor) e a alguns crossovers com eventos da Marvel que não funcionaram tão bem (mas isso não é culpa da autora…) – como exemplo, podemos citar o arco que se passa durante a Saga “Inferno” dos X-Men.
Até gosto da saga (ela está inclusive na nossa lista de Melhores HQs dos X-Men) mas o arco se alonga demais na HQ do Demolidor e parece meio perdido e desconexo, chegando a atrapalhar a história que Nocenti estava contando… Atrapalha mas não é relevante a ponto de prejudicar ou tirar o brilho desse run espetacular!
O Demolidor de Ann Nocenti é uma ótima pedida para leitores que curtem as histórias urbanas da Marvel e adoram ver questões sociais misturadas com nossos heróis de collant. O trabalho de Nocenti é incrível e deve ser citado como um dos maiores e melhores runs do herói ao lado dos trabalhos de Frank Miller, Brian Michael Bendis, Mark Waid e outros!
Quer conhecer o trágico destino de Karen Page? Confira nossa matéria Demolidor – Diabo da Guarda define a essência de Matt Murdock. E saiba mais sobre os antagonistas do herói na lista dos Maiores Vilões do Demolidor!
Avaliação: Excelente!
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Créditos:
Texto: Lucas Souza
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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