Conheça Harry Haft, o pugilista que sobreviveu à Auschwitz e enfrentou Rocky Marciano em: O Boxeador
Como em todos os relatos sobre o Holocausto, O Boxeador: a história real de Hertzko Haft (2013) é denso, difícil de engolir. Além de tratar de um horror vivido por milhões de judeus, a vida de Haft nos apresenta um recorte pouco conhecido desse período: o boxe nos campos de concentração.
A HQ é a biografia desenhada do polonês conhecido como Harry Haft (1925-2007), com destaque para sua vida durante a 2ª Guerra Mundial e, posteriormente, como pugilista nos EUA. Entre 1948 e 1949, Haft teve 21 lutas. Dez vitórias seguidas, 13 no total, com oito nocautes e oito derrotas.
O Boxeador: A história real de Hertzko Haft foi impresso pela primeira vez na Alemanha, terra natal do autor, em 2009. Reinhard Kleist já era conhecido por biografias em quadrinhos como Johnny Cash: uma biografia (2009), Elvis (2010) e Castro (2011). Todas foram publicadas no Brasil pela editora 8Inverso.
Neste caso, Kleist adaptou o livro Harry Haft: Auschwitz survivor, challenger Rocky Marciano (Harry Haft: sobrevivente de Auschwitz, desafiador de Rocky Marciano), de autoria do filho do pugilista, Alan Scott Haft. A obra, de 2003, foi feita a partir das lembranças do pai e ainda não saiu em português.
Qual o enredo de O Boxeador
Em ordem cronológica, conhecemos a juventude de Haft na cidade industrial de Belchatow, na Polônia, onde seu pai, Moische Haft, vendia frutas. A família era formada também por Hynda Haft, a mãe, os irmãos Aria – o mais velho – e Perez, e as irmãs, que haviam se mudado para Lodz, cidade maior.
Haft tinha 15 anos quando os alemães ocuparam Belchatow, em 1939. Os três irmãos, com a morte do pai e em um período em que “tudo era proibido” para os judeus, sustentavam a casa com o “contrabando” de comida.
É nesta fase que acontece o que, de certo modo, seria a linha de condução de toda a história a seguir. Haft, baleado após fugir de soldados alemães, conhece Leah Pablanski. Os dois se apaixonam e, sim, esta biografia é também uma brutal história de amor.
A chegada à Auschwitz, onde Haft viveria alguns de seus piores pesadelos
Quando Haft é preso, perde o contato com Leah e o terror passa a ser constante. Ele trilha por diversos campos de concentração. Entre eles, Auschwitz, onde chegou a trabalhar recolhendo e incinerando os corpos das vítimas das câmaras de gás.
Encarcerado, o polonês conhece um soldado da SS denominado “Schneider” – cujo nome real não se sabe –. O nazista acabou mostrando certa simpatia por Haft. Em conversas, esclarece que não concorda com tudo o que seu estado faz e vislumbra a derrota alemã na guerra. E conclui, a proximidade deles proporcionaria uma testemunha positiva em um futuro julgamento.
A relação entre os dois dá um caráter bem singular à história. Claro que, durante o Holocausto, Schneider tirou muito proveito de Hertzko. Foi assim que o polonês entrou para o boxe clandestino. Quem vencia as lutas permanecia vivo e continuava servindo ao sádico entretenimento esportivo dos soldados da SS.
A única regra no boxe dos campos de concentração era que a disputa seguia “até que um dos dois não consiga mais lutar.” Os boxeadores judeus aceitavam isso pela garantia, mesmo que breve, de sobrevivência a cada vitória e por um pouco mais de ração ou sopa. As apostas corriam soltas.
O quadrinho retrata como era o boxe nos campos de concentração, um entretenimento sádico
Além de ser obrigado a espancar outros judeus, normalmente famélicos, Haft ainda vivenciou muitas crueldades. Participou das “marchas da morte” e foi escravizado até a derrota alemã.
Na segunda parte do quadrinho, vemos Hertzko buscar uma vida melhor nos EUA. É quando conhecemos sua história como Harry Haft, o boxeador que queria estampar as capas dos jornais. O objetivo, diferente do que se possa imaginar, era ser reconhecido e encontrado por Leah.
A principal dessas lutas foi a última, com Rocky Marciano, onde Haft conta detalhes – não comprovados – que ninguém na época poderia imaginar.
Vale a pena ler O Boxeador?
O quadrinho é vencedor do Prêmio PENG! 2013 do Festival de Quadrinhos de Munique e do Grande Prêmio 2013 do Festival de Quadrinhos de Lyon.
Apesar de algumas semelhanças com Maus: a história de um sobrevivente (1980-1992), como o fato de conhecermos os relatos e lembranças de dois sobreviventes de Auschwitz pelo resgate de seus filhos, Alan Haft e Art Spiegelman, a obra analisada aqui é única. Não só por serem pessoas diferentes.
Kleist desenha a famigerada luta entre Haft e Marciano
Em O Boxeador: a história real de Hertzko Haft, ganha destaque o que as vítimas do Holocausto, em situações extremas, acabaram por fazer buscando a sobrevivência. Ações que em hipótese outra alguma essas pessoas fariam. E talvez aí se registre um dos aspectos mais cruéis do período.
Incluem-se nisso o canibalismo e as próprias lutas até a morte que Haft enfrentou. Kleist desenha muito bem a confusão e o transtorno mental do personagem. Se na maior parte do quadrinho temos uma arte que nos lembra e muito Will Eisner, nos momentos de maior pressão a face do polonês ganha contornos sujos e menos delineados.
O material extra, na parte final da publicação, também é excelente. Nele, o jornalista esportivo Martin Krauss apresenta um artigo com consultas historiográficas que nos trazem informações sobre como funcionavam os esportes nos campos de concentração, o que existe de registros da burocracia da SS sobre Haft e sua família, e um pouco da história de outros boxeadores vítimas desse espetáculo perverso.
Vale dizer que, apesar de o Boxeador: a história real de Hertzko Haft ser um duro relato do Holocausto e de seus desdobramentos na vida de um homem, é também o registro do poder do amor.
Fica aparente que muito da força de Haft para sobreviver em Auschwitz vinha do desejo de rever Leah. Assim como no esforço dos ringues, que o levou a enfrentar o melhor adversário da época.
Avaliação: Excelente!
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MAUS: A HISTÓRIA DE UM SOBREVIVENTE – O ULTIMATO
Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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