Narrativas Periféricas é um projeto da editora Mino que surgiu com o objetivo de levar para todo o Brasil as histórias de autores e autoras da periferia, justamente num momento que, mesmo em meio a uma intensa crise da cultura e das artes no país, o mercado de quadrinhos no Brasil vive seu momento de maior produção e projeção. Sem mais delongas, vamos às obras!
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Narrativas periféricas da Editora Mino
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Crianças Selvagens de Gabriel “Gabú” Brito
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Começando por Crianças Selvagens é uma daquelas histórias cotidianas que espanta, não pelo absurdo, mas pelo ordinário. Pelo corriqueiro, comum, não-especial. Mas contado de um jeito único e original. Como que Gilberto Gil faz nas canções, Gabriel “Gabú” Brito (@gabu_brito) faz nos quadrinhos.
Sua obra é pura poesia visual, cheia de nuances adornados de rara beleza. Embora uma história dura e triste do início ao fim, o meio é que me chama a atenção. Talvez eu esteja nesta fase da vida de ver o copo meio cheio, mas apesar de os reveses, Crianças Selvagens é uma história de amizade. Amizade daquelas que se constrói na mais árdua dificuldade e apesar disso (ou talvez, por causa disso) prospera.
Depois de fugir de casa, de uma mãe omissa e um padrasto abusivo, Ariel vai viver nas ruas e lá encontra dois amigos. Com esses amigos, Ariel passa a viver uma vida completamente marginal, pedindo comida, cometendo pequenos delitos e dormindo em locais públicos. E ao mesmo tempo que leva esta vida de rua onde todo cuidado é pouco (“não mosca, não, mano!”), Ariel e seus amigos são somente crianças que não tem privilégios que nós, que estamos frente ao smartphone, tivemos.
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Pomo de Eryk Souza
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Seguindo por Pomo, do Eryk Souza (@kyreryk), que traz algumas críticas disfarçadas (e algumas não tão disfarçadas assim) sobre uma sociedade baseada em fanatismo e perseguição contra o que é diferente.
Em Pomo, acompanhamos a história de um rapaz, vivendo numa distopia, que apesar de toda doutrinação a que foi imposto, refugia um alienígena andrógino em sua casa. Este ser de outro mundo que caiu com sua nave na terra precisa retornar à mesma para ir embora.
Se já não fosse suficientemente difícil ter que lidar com o alienígena, o Jovem ainda precisa lidar com os próprios sentimentos pelo ser andrógino. Em determinado ponto da HQ, o Jovem, lendo um livro que diz que os alienígenas mudam de forma para nos despertar medo, ira, dor e desejos profanos, é questionado pelo visitante: “E qual desses eu não desperto em você?”
Paralelo à esta trama mais pessoal, este futuro distópico ainda é dominado por um governo extremista baseado em um tipo de religião, que incita as pessoas contra aqueles que são diferentes deles. Obviamente que um alienígena andrógino seria alvo deste tipo de governo/pessoas.
Na parte visual da HQ, o ponto de destaque são os recursos que o Eryk emprega para demonstrar o quão impregnado pela influência do fanatismo as pessoas estão. No momento em que o protagonista se desnuda, literalmente, de seus pré-conceitos, isso fica muito evidente.
De fato, Pomo é uma HQ muito boa e com um discurso sobre incertezas, aceitação e luta contra um governo extremista, é certo que vai acertar vocês também.
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Shin de Isaac Santos
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Em “Shin” de Isaac Souza, D é um Ninja cansado em busca de sua aposentadoria, enquanto cria sua filha Luna, numa metrópole futurista onde a cultura Shinobi ainda é pulsante. Vivendo uma vida dupla, D se vê realizando uma última missão, para enfim levar um novo estilo de vida dedicado à criação de sua filha.
Luna por sua vez, é o farol na vida do Pai, quase que invertendo os papeis, Luna faz D se lembrar de algumas importantes lições que ficaram apagadas pelo caminho.
Num primeiro momento, eu particularmente me identifiquei com a prática da horticultura, nos remetendo também um pouco às práticas de hortiterapia tão difundidas na cultura oriental. Em seguida, D lida com o seu trabalho diurno, com um chefe abusivo e atividades pouco estimulantes. Horas se arrastando lá dentro e a vida voando lá fora. Por fim, D lida com seu trabalho noturno. Com seu último trabalho.
Visualmente é uma HQ linda, com uma história rápida e saborosa. Cheia de referências para quem é ligado em mangás com pegada samurai. Prato cheio para quem curte o gênero e para quem quer conhecer, também!
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Para Todos os Tipos de Vermes de Kione Ayo
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Seguindo em frente, “Para todos os tipos de vermes”, da talentosíssima Kione Ayo (@kione_ayo), acompanhamos uma história que se passa num mundo bizarro onde os seres humanos vivem dentro de vermes no fundo do oceano. Existe uma divisão mais marcada das camadas sociais e a HQ brilha em mostrar como a classe mais desprovida de recursos lida com a sua realidade, inclusive, tentando furar a bolha e passar para o outro lado.
A história acompanha dois primos que, após perder sua melhor amiga, passam a questionar a sociedade em que vivem e seu lugar dentro dela. Neste processo, acabam descobrindo algumas surpreendentes e probidades verdades, e precisam lidar com esta nova percepção da realidade enquanto tentam romper a barreira entre as classes.
Sobre esta HQ, meu maior ponto de atenção foram os desenhos da Kione. Você consegue imaginar seres humanos vivendo dentro de um verme gigante e ainda achar esse quadro bonito? Kione faz isso! Com um traço meio estilo mangá, Kione mostra todo seu talento com o design dos personagens e os detalhes deste universo tão promissor. Sobre a narrativa, senti que a história ficou um pouco corrida, principalmente no final. Talvez com mais páginas disponíveis a HQ pudesse ter uma narrativa mais fluida e menos complicada.
Numa pegada meio 3%, meio Matrix, Para todos os tipos de vermes orna bem com suas 5 companheiras de Narrativas Periféricas, fazendo deste um dos projetos quadrinísticos mais interessantes que eu já vi.
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Quando a Música Acabar de Isaque Sagara
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“Quando a música acabar”, do Isaque Sagara (@isaquesagara), nos convida para algumas boas, importantes e profundas reflexões acerca da juventude, das suas escolhas e da fragilidade da vida.
Isaque conduz numa jornada a conhecer a intima história de três jovens: Elizabeth, Bruno e Thiago. Três jovens como eu e você fomos, mas que, pelo acaso do destino tiveram suas vidas radicalmente atropeladas por acontecimentos fortes.
Elizabeth descobre sofrer de uma doença grave, Tiago lida com uma família problemática e Bruno, o aniversariante do dia, em meio a uma festa planejada por Thiago, é pego no turbilhão de acontecimentos bruscos que podem pôr fim à vida como ele conhece. E é quando percebemos que a vida é realmente frágil. E quando a vida acaba, o que resta?
Quando digo “a vida acaba”, veja bem, não estamos falando necessariamente da morte. Mas do fim de um ciclo. Daquela vida que se levou até aquele momento.
Me impressionou, como em 44 páginas apenas, Isaque Sagara consegue desenvolver os 3 personagens a ponto de nos importarmos com eles, com suas vidas e o que poderia ter sido se a maré das circunstancias não lhes tivessem afogado. Me chamou a atenção também, personalidades como os Mamonas Assassinas e o Dr. Drauzio Varella fazerem uma ponta.
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Thomas: La Vie en Rose de Arthur Pigs
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E fechando com chave de ouro, “Thomas: La Vie en Rose”, do Arthur Pigs (@manopigs), que trouxe pra gente uma HQ incrível, uma história que em muitos momentos se parece com a minha e de um monte de amigos. Logo na primeira parte da história, quando o Thomas conversa com seu amigo Marcus, eu já me identifiquei incrivelmente.
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Não com a situação de morar com um amigo (nunca tive essa experiência), mas de reclamar do chefe, do trabalho, da vida! Conforme a história passa, descobrimos com o que o Thomas trabalha e, pasmem, call center! Depois de 12 anos no serviço de ServiceDesk (o call center da informática), não tem como não sentir muito do que o Thomas sente.
As situações passam e a gente vai se identificando ainda mais. A baixa autoestima, as consultas com o psicólogo fajuto, e a relação com uma garota sensacional, que aos poucos vai ajudando o Thomas a sair do inferno astral que ele vive. A minha garota especial é a Vanessa, que a dois anos e meio tem sido a minha maior amiga e incentivadora! E hoje eu sei como é ter esse tipo de pessoa do nosso lado, que nos entende, não junto e apoia.
Arthur nos presenteia com uma história linda, com um final lindíssimo e que me fez chorar um bocado. Sem dúvidas, Thomas: La Vie em Rose, foi uma das minhas melhores leituras do ano!
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Os 6 rostos por trás das narrativas periféricas são incrivelmente talentosos e diversos. Na ordem: Arthur Pigs, Erik Souza, Gabú, Isaac Santos, Isaque Sagara e Kione Ayo.
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Seja lendo uma ou todas, fato é que as narrativas periféricas funcionam! principalmente pra quem quer se conectar com o Brasil de verdade! Uma salva de palmas para a editora Mino e para os 6 incríveis artistas que deram vida ao projeto.
Créditos:
Texto: Daniel Miranda – @negrogeek
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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