Na febre do termo “cringe”, conheça a HQ que retrata essa geração
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Quem nunca acessou aquelas páginas destinadas a rememorar objetos típicos de determinada década na internet? Thiago Ossostortos fez a proeza de concentrar quase todas essas lembranças de quem cresceu na década de 1990 – hoje considerada “cringe” – nas 128 páginas de Kombi 95 (2017). E o mais incrível é que apesar de a HQ parecer um catálogo de imagens nostálgicas, tudo se encaixa em um enredo muito divertido e com ótimos pontos de virada.
A aterrorizante Kombi dos Palhaços – inspirada no boato do Bando do Palhaço, que sequestrava e roubava os órgãos de crianças e chegou a ser capa do Notícias Populares na época – serve de pano de fundo para a aventura. O quadrinho, lançado pela editora Plot!, é a primeira história longa – de sete capítulos – de Ossostortos, que publicou diversos bons títulos na sequência, como Os Últimos Dias do Xerife (2018), Mjadra (2020) e Dois Mil e Um Chopes (2021).
Em Kombi 95, Ossostortos preparou uma playlist – com direito a Mamonas Assassinas, Só Pra Contrariar, Racionais MC’s e Chitãozinho e Xororó – para embalar a leitura, que pode ser acessada por um código QR. Trechos das músicas, inclusive, são usados pelo autor para contribuir com a ambientação e com os acontecimentos da HQ.
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A banca do Xandison é lugar carimbado para o trio de amigos
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Qual o enredo de Kombi 95
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Na periferia da Grande São Paulo, o trio de amigos Gelinho, Foguinho e Umbigo – as vezes reforçados por Lumbriga e Waldirene – investigam o desaparecimento de Albino, um dos jovens moradores do bairro. Logo nas primeiras páginas vemos prateleiras de jogos de Mega Drive e Super Nintendo em uma daquelas casas de vídeo game em que se pagava por hora para jogar – a HQ já começa com a expectativa lá em cima para quem viveu isso –.
Saindo de lá, Gelinho convence o Xandison da banca – que também reservava os álbuns do momento, como do Dragon Ball e d’Os Cavaleiros do Zodíaco – a vender uma revista adulta. O comerciante embrulha em uma folha de jornal para disfarçar e, quando Gelinho vê o papel amassado, a manchete: “Kombi dos Palhaços apavora escolas”. As suspeitas do sumiço de Albino logo caem nos “palhaços assassinos”.
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Paralelamente à investigação, acompanhamos os protagonistas em aventuras típicas da garotada dessa geração, como decidas de rolimã, skate e bicicleta no meio das ruas, as idas a uma floresta da região e o salto de pêndulo em uma árvore alta. Ambientes como a escola, a cantina, a padaria e os quartos cheios de pôsteres de bandas também marcam presença.
É no segundo capítulo, “Os Caça-Palhaços”, que o grupo – agora com um nome que faz total referência ao filme Os Caça-Fantasmas (1984) – começa a se organizar para descobrir o que houve com Albino, quem são os tais palhaços e, nas palavras de Foguinho, “dá skeitada na cara deles.”
E é exatamente isso que eles fazem quando encontram um palhaço de Kombi branca no estacionamento da escola. Se o sujeito fantasiado era um assassino ou não, vou deixar você conferir na HQ.
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A Kombi dos Palhaços aterroriza a molecada do bairro
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Vale a pena ler Kombi 95?
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Para quem cresceu nos anos 1990, não preciso nem dizer por que Kombi 95 é mega indicado. A nostalgia é imensa. Quando vi a tia Neyde da cantina, logo me lembrei do Miguel, o senhor que vendia lanche durante o recreio onde eu estudava.
E a leitura vai causando isso, revive aquela década tanto pelas lembranças geracionais – como os programas de TV, as propagandas, as músicas – quanto pelas recordações particulares que vamos puxando na memória por associação.
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É interessante perceber que o quadrinho é bastante autobiográfico. Ossostortos nos conta no material complementar da HQ que a maioria dos personagens são uma mistura dele e dos amigos. Os lugares, inspirados na escola e no bairro em que morou.
Provavelmente por isso, Ossostortos teve tanta propriedade em falar de uma época onde a molecada cresceu sem a web mediando as interações sociais. Consequentemente, foi a última geração que passou mais tempo na rua do que em casa. A impressão é a de que era um tempo muito mais livre, menos complexo e que podíamos fazer tudo. É isso que Kombi 95 nos passa em cores vivas e traços descontraídos, cartunescos.
Não sei se a HQ tem o mesmo impacto para gerações mais velhas. Mas aqui vai um recado específico para o leitor da geração Z (nascidos entre 1996 e 2010): se você acha que os millenials (nascidos entre 1981 e 1995) causam “vergonha alheia”, talvez com Kombi 95 possa entender o motivo dessa geração ter orgulho de ser “cringe”. Eu posso dizer sem problemas que tomo café da manhã, curto séries antigas e andei muito de skate quando era moleque. *
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*“Cringe” é um termo utilizado como sinônimo de mico ou “vergonha alheia” que nos últimos dias esteve entre as palavras mais buscadas no Google. Mais especificamente, é uma gíria atualmente usada pela geração Z para designar costumes e gostos da geração do milênio, como – acredite se quiser – tomar café da manhã, usar calça skinny, acessar o Facebook e pagar contas com boleto. Na tradução literal, o verbo “to cringe” significa “encolher-se (de medo ou vergonha)”.
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Avaliação: Excelente!
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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