A expressão “vale quanto pesa” pode ou não fazer sentido para analisarmos Inteiro pesa mais do que metade, da jornalista Carol Ito, lançado em 2023 pela editora nVersos. Isso porque o quadrinho, de capa dura, é pequeno (15 x 15 cm) e de leitura rápida, 80 páginas.
Do ponto de vista imaterial, que pode surgir a partir da densidade do tema ou da coragem em expor algo íntimo, podemos pensar que, simbolicamente, temos algo de peso em mãos. Na obra, a autora mostra sua experiência com a ansiedade e a depressão de forma autobiográfica e introspectiva, sem deixar a crítica social de lado.
Carol Ito é um dos principais nomes do jornalismo em quadrinhos (JHQ) no Brasil, vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2022 pela reportagem “Três Mulheres da Craco”, publicada na revista Piauí. As revistas Trip e TPM e a Agência Pública também contam com as matérias e tiras de Ito, que foi a primeira mulher a desenhar ao vivo no programa Roda Viva da TV Cultura.
Qual a trama de Inteiro pesa mais do que metade de Carol Ito
Em “Quanto pesa?“, primeiro dos cinco capítulos, Carol Ito abre a HQ mostrando como surgiu sua relação com a produção de quadrinhos e o diagnóstico de “transtorno de depressão e ansiedade”, há oito anos.
“Pausa” é sobre os efeitos e sintomas dessa condição. Em meio a autocobrança desproporcional e a exaustão, surge o efeito paralisante. Apesar de um capítulo curto, a conclusão da autora sobre a ambiguidade da pausa é necessária: “a depressão pra mim é como um freio. É lembrar que não preciso dar conta de tudo sozinha…”
As causas, das mais variadas, como términos, estresse e abandono, além das construções mentais de Ito nestas situações, surgem em “Gatilhos”. Em seguida, ela aponta como uma caminhada pela cidade de São Paulo, excludente e impaciente, pode gerar estresse. O nome do capítulo é “Caminhos”, que serve de alegoria para as sensações de vulnerabilidade que a selva de pedra pode nos causar ou, ainda, na linha do que a psicanalista Giovanna Bartucci sugere no posfácio, de “figuração do dentro de si” da autora.
“As tretas da positividade tóxica” é o capítulo mais extenso da HQ. Cerca de um terço da obra e onde Ito relaciona os sintomas dela – e de tantos outros – com os padrões impostos pelo neoliberalismo – em resumo, ser sempre produtivo e animado –. Acaba sendo o trecho dedicado a uma análise social do tema, muito válida nos dias de hoje. Afinal, não aceitar os dias ruins e os sofrimentos – desanimo, tristeza, etc. – que eles geram é quase uma receita para o recalcamento. O oposto não significa deixar de combater fatores externos.
Vale a pena ler?
Diria até que é uma leitura necessária para os quase adultos, como alerta para não se imporem as pressões que virão da sociedade nos próximos anos. Não só. O diálogo sobre a ansiedade e a depressão, o “mal do século”, trazido de forma leve, é importante para quem convive ou conviverá com isso, em si ou no próximo.
Esteticamente, a arte de Carol Ito lembra o traço simples de Marjane Satrapi (Persépolis), referência no gênero dos quadrinhos autobiográficos. Semelhante a iraniana, Ito mistura reflexões e vivências particulares aos temas militantes com muita honestidade.
Porém, o formato do quadrinho é um diferencial que dialoga diretamente com os tempos atuais – de Ito –. Cada página contém apenas um quadro, o que gera leitura semelhante a que temos com tiras de Instagram – nas quais Ito se destaca –. A rede social, focada desde o início em imagens, é sempre apontada como palco da felicidade alheia e fomentadora da tal positividade tóxica.
A HQ não é uma autobiografia que detalha fatos, mas pensamentos – claro, com lastro no real –. E aqui entramos em um mérito de Carol Ito no quadrinho. Se por um lado o tom militante desvela o atravessamento do social na vida dela – e de muita gente –, por outro a quadrinista mostra sua subjetividade. É aquela ideia: o que é nosso ali? Como lidamos com o que está posto? Ainda bem, cada um de um jeito.
Ito compartilha conosco e coloca em palavras tudo isso em Inteiro pesa mais do que metade. Apesar de não ser objetivamente JHQ, a jornalista se faz presente, nem que seja no “ir direto ao ponto”, na honestidade, na linguagem cidadã e na busca de fontes confiáveis para determinadas informações. É um relato, apesar de singelo, corajoso, pessoal e solidário. Ataca o sistema que “favorece o adoecimento da mente e do corpo.”
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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