Adam Strange é um herói ou um criminoso de guerra? Essa é a simples premissa de Estranhas Aventuras Vol 1, da DC Black Label – selo que substituiu a Vertigo –. A estrutura da trama imprime complexidade à HQ, e o célebre roteirista Tom King – de Batman (2017) e Senhor Milagre (2018) – consegue trazer as palavras “guerra” e “verdade” para nossa reflexão.
O que é a verdade? É a forma como algo aconteceu ou como enxergamos esse evento? A psicanálise diz que, de certo modo, cada um vê o mundo à sua própria verdade. Muitas vezes a verdade que nós ou nosso inconsciente quer ver. Então, será que nossos heróis são mesmo heróis? Será que são tudo o que acreditamos? E sobre a guerra? Existe um lado 100% certo e imaculado?
Com essas perguntas que nos fazemos durante a leitura, fica claro que Tom King pretende quebrar mitos. E a vítima, ao que tudo indica, é Adam Strange. O herói que defendeu o planeta Hann dos pikkts – uma raça implacável e genocida de alienígenas que invadem outros mundos – agora se depara com uma investigação sobre seus possíveis crimes de guerra.
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Qual é a trama de Estranhas Aventuras Vol 1
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O roteiro é contado em dois enredos completamente conectados e encaixados. O passado e o presente. Cada um pelas mãos de um artista.
De um lado, temos a história de Adam Strange se tornando o herói de guerra do povo de Rann. Esta parte da HQ é trazida por meio dos traços limpos de Evan “Doc” Shaner que, conforme dito pelo próprio Tom King, tem a habilidade “de desenhar os quadrinhos do jeito que as pessoas imaginam que eles sejam, uma espécie de ideal platônico.” Sou obrigado a concordar.
O desafio de Adam nessa batalha contra os pikkts é enorme, pois os invasores carregam a fama de terem exterminado a população de todos os planetas em que já pisaram. Para piorar, Rann, apesar de possuir tecnologias avançadíssimas, estava dividido entre três sociedades com grande atrito: os povos da cidade, do qual Strange e sua família fazem parte; da caverna, formados por fortíssimos seres de pedra; e do deserto, um grupo semelhante a lagartos com uma noção de moral que nos remete à uma mistura de filmes e quadrinhos medievais e pós-apocalípticos.
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De um lado, a arte de Doc Shaner para o mito, de outro, a de Mitch Gerards para o criminoso de guerra
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Mas a tensão está mesmo é nos relatos sobre o presente, quando acompanhamos os traços do sensacional Mitch Gerards – que trabalhou com King em Senhor Milagre –, nos servindo uma arte mais crua, menos nítida e com uma colorização que nos lembra pinturas.
Logo de início, quando Strange lança a publicação de suas aventuras em uma livraria dos EUA, um indivíduo aparentemente fora de si acusa-o de ter torturado, matado e colocado diversos pykkts em jaulas. Um vídeo do episódio cai na rede e a notícia vai parar em diversos portais de notícias.
Isso não serviria para tirar a credibilidade de Strange na Terra se, pouco tempo depois, o mesmo cidadão não fosse assassinado em Los Angeles com uma arma laser interplanetária – uma das marcas do herói. Strange, então, entrega sua arma ao Batman e pede uma investigação que comprove a todos que o assassinato não tem relação nenhuma com ele.
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A arma de um herói ou de um assassino? Strange a entrega ao Batman
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É aí que outro clássico personagem da DC – muitas vezes pouco lembrado – é introduzido de forma surpreendente em Estranhas Aventuras Vol 1: Senhor Incrível, ex-Liga da Justiça. O problema? É que ele, além de muito competente, leva a investigação a sério, e começa a desconfiar de que existem mais coisas por baixo do pano do que seria possível suspeitar.
As buscas do Senhor Incrível, com direito a cobertura da mídia, não envolvem apenas um aventureiro “popstar”. Ataca diretamente a diplomacia interplanetária. Strange é casado com Alanna, filha do ministro-chefe de Rann, Sardath.
A relação do casal é muito bem trabalhada, incluindo o jeito como ela não permite que seu marido deixe-se distanciar da imagem de herói de Rann. O papel de Alanna é de destaque, por vezes a real condutora dos acontecimentos – tanto no passado quanto no presente –, embora sempre pelos bastidores.
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A famigerada arma laser em uso na guerra de Rann
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Vale a pena ler Estranhas Aventuras Vol 1?
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Muito! Estranhas Aventuras Vol 1 é incrível, embora a história fique bem aberta para a segunda edição. Ao terminar a leitura, fiquei com uma mistura de satisfação e vontade de mais.
A ideia de trazer um personagem antigo – publicado pela primeira vez em 1958 – com diversas características clássicas, mas em uma nova roupagem, em uma nova complexidade, mais adaptada ao cenário e as reflexões atuais, é um ponto muito forte.
Existe uma declaração bem interessante do próprio Tom King em uma entrevista na parte final da publicação, afirmando que Strange, como Tarzan e Flash Gordon, “representam uma metáfora para um sonho de colonialismo do século 19. Claro, o colonialismo não era nada parecido com esse sonho.” E é este contraste, diz ele, que lhe interessa: “a lacuna sangrenta entre o mito e a realidade.”
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Em uma mesma página, podemos ver as artes de Doc e de Gerards
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A escolha dos desenhistas para essa quebra de paradigmas foi extraordinária. As duas histórias são contadas instantaneamente. Nos feitos heroicos do passado, traços leves, que nos direcionam a uma sensação de perfeição e (suposta) clareza. Já quando se busca a ruptura do mito, as tensões reais e menos maniqueístas, temos os traços mais densos de Mitch Gerads, sem contornos bem definidos em preto.
A fronteira entre o que queremos ver e a aspereza do que precisamos ver ou estamos vivendo fica bem evidenciada com essa divisão de artes. E tudo isso não transforma – pelo menos até agora – Strange num vilão. Apenas o torna humano.
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Avaliação: Excelente!
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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