Dois Papas é a Dica de Streaming desta semana e não é pela lista enorme de indicações a prêmios que o filme recebeu.
Também não é pelo fato de ser dirigido por Fernando Meirelles, que já provou sua maestria no cinema em Cidade de Deus (2002), O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener, 2005) e Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008) e é um dos melhores diretores brasileiros da história.
O longa tem como protagonistas Jonathan Pryce, no papel de Jorge Bergoglio, o padre argentino que se tornou o atual Papa Francisco e Anthony Hopkins como o cardeal Joseph Ratzinger, que viria a ser o Papa Bento XVI.
Mas também não é pela presença destes dois atores monstruosos que decidimos indicar esse longa hoje.
A maior força de Dois Papas também não está em sua história que, baseada em fatos reais, ainda está presente na memória da maioria da população.
O grande mérito do filme de Meirelles está em sua narrativa. A forma como conta sua história. Está no filme em si como um todo e as escolhas que fazem de uma simples conversa entre o Santo Padre católico e um de seus pastores, em meados de 2012, uma partida de xadrez como aquela enfrentada por Max von Sydow em O Sétimo Selo (The Seventh Seal, 1957).
O longa trata de eventos ocorridos entre 2005 e 2014, com cenas que abordam diversos anos desse período. No entanto, o ápice é a tal conversa entre o Papa Bento XVI e o então cardeal argentino Jorge Bergoglio.
A orientação entre ambos é claramente oposta. Ratzinger, de origem alemã, é frio, distante, rígido e defende uma postura mais tradicional para a igreja católica.
Bergoglio, que durante o conclave que elegeu o Papa Bento XVI recebeu 10 votos para ser o novo papa, é assumidamente mais liberal, favorável a uma igreja mais popular, aberta e em sintonia com o século XXI.
No entanto, o tal xadrez ideológico, teológico e intelectual que ambos travam é mostrado não somente em seus diálogos.
A dialética é mostrada também na brilhante atuação dos consagrados Hopkins e Pryce; mas principalmente, nos detalhes que Meirelles insere nas cenas. Enquanto um toma refrigerante de laranja, o outro é afeito a uma cervejinha ou um bom vinho; enquanto um é recluso e pouco comunicativo, o outro puxa assunto com todos e qualquer um.
A beleza e o cuidado da direção de arte também reforçam esses aspectos. A magnitude dos ambientes do Vaticano e da residência papal em contraste com a pequenez dos atores, sentados no chão ou transformados em figuras pequenas ante as construções que objetivavam enaltecer um ser supremo, só adicionam a essa sensação.
Meirelles faz uso de suas locações para provocar no espectador a mesma emoção que queriam os cristãos que as ergueram: dar a impressão de que somos pequenos perante a presença divina.
Só que aqui Meirelles coloca os Santos Padres em tal posição. E a presença divina, no filme, é exercida pela plateia. A intimidade, os segredos, as confissões dos Papas são desnudadas sem pudores e sem julgamentos: apesar das posições que ocupam, são apenas humanos no fim das contas.
A delicadeza do filme em abordar temas que são tão incômodos e profundos em uma das instituições mais poderosas do mundo é essencial. Saber lidar com algo que é fé, dogma e fato concreto para 16% da população mundial ao mesmo tempo em que expõe seus pontos fracos e manchas mais horríveis, é algo magistral.
Meirelles entrega um filme que enaltece a religião católica à medida em que mostra a sua humanidade e seu lado mais perverso, mostrando que a verdadeira face de Deus – o que quer que isso signifique – está em quem a busca verdadeiramente.
As indicações de Dois Papas
E só para que o texto não fique incompleto… eu disse lá em cima que a sugestão não era pelas indicações que o filme recebeu. Mas só como curiosidade, reproduzo aqui:
Foi indicado ao Oscar nas categorias Melhor Ator – Jonathan Pryce, Melhor Ator Coadjuvante – Anthony Hopkins, Melhor Roteiro Adaptado;
Foi indicado ao BAFTA, o “Oscar Inglês”, nas categorias de Melhor Ator (Cinema), Melhor Ator Coadjuvante (Cinema), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Filme Britânico e Melhor Elenco;
Foi indicado ao Globo de Ouro nas categorias de Melhor Ator em Filme Dramático, Melhor Ator Coadjuvante em Filme Dramático, Melhor Roteiro de Cinema e Melhor Filme Dramático;
Foi indicado ao Critic’s Choice Award nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado;
Foi indicado ao Satellite Award nas categorias de Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Filme Dramático, Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte.
Se o fato de o filme não ter recebido nenhum dos prêmios foi uma injustiça… confira o longa e decida por si só!
Trailer:
Créditos:
Texto e Edição: Alexandre Baptista
Imagens: Reprodução
Compre pelo nosso link da Amazon e ajude o UB!