Deslembro | |
Ano: 2018 | Distribuição: Imovision |
Estreia: 20 de Junho de 2019 (Brasil) |
Direção: Flávia Castro Roteiro: Flávia Castro |
Duração: 96 Minutos |
Elenco: Jeanne Boudier, Sara Antunes, Eliane Giardini, Hugo Abranches, Arthur Raynaud, Jesuíta Barbosa, Antonio Carrara, Marcio Vito |
Sinopse: “Joana é uma adolescente que se alimenta de literatura e rock. Ela mora em Paris com a família, quando a anistia é decretada no Brasil. De um dia para o outro, e à sua revelia, organiza-se a volta para o país do qual ela mal se lembra. No Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e onde seu pai desapareceu nos porões do DOPS, seu passado ressurge. Nem tudo é real, nem tudo é imaginação, mas ao “lembrar”, Joana inscreve sua própria história no presente, na primeira pessoa.”
[tabby title=”Alexandre Baptista”]
Deslembro titubeia, oscila, mas consegue montar um panorama fiel dos anos de anistia
Longa dirigido por Flávia Castro, no entanto, deve enfrentar resistência por parte de parcela da população que insiste em deslembrar a história
por Alexandre Baptista
Um inimigo externo é sempre mais fácil de ser aceito. Um inimigo inanimado, melhor ainda. Um inimigo imaterial então, nem se fale. É isso que faz dos demônios e seres das trevas algo tão potente em histórias de ficção. É isso que faz das bombas de Hiroshima e Nagasaki e o cataclismo nuclear algo tão potente e de fácil solidariedade em Gen Pés Descalços (Hadashi No Gen, 1973 -1974) obra em quadrinhos do mestre Keiji Nakazawa.
Naquela obra, Nakazawa mistura experiências pessoais e lembranças familiares com narrativas que ouviu de outras pessoas sobre o massacre provocado pela bomba nuclear em Hiroshima. Muito pior que morrer no clarão atômico foi sobreviver a ele e vivenciar a “doença radiativa”, à falta de alimentos, abrigo e muito mais.
A história fala alto nos corações de todos aqueles que ainda tem um pingo de humanidade. O vilão: a ameaça radiativa, a bomba… sendo que lá no fundo, sabemos que estamos falando da Segunda Guerra Mundial, dos jogos políticos e científicos em se “testar” os nukes, dos EUA se firmando como maior potencia mundial numa época em que isso ainda não estava plenamente estabelecido.
Deslembro envereda para a mesma seara, num roteiro em que a diretora Flávia Castro colocou uma mescla de lembranças pessoais, narrativas de outras pessoas e elementos da narrativos ficcionais para facilitar a condução de seu longa.
No entanto, o vilão do filme em um ponto é o Brasil; depois, o sofrimento causado pela Ditadura Militar (que alguns, numa apropriação orwelliana tupiniquim tentam apagar da História); e por fim, as ditaduras latino-americanas.
Nos dias de hoje, é pedir que 30% da população destile ódio sobre o filme já de saída. Um movimento corajoso da diretora, principalmente por conduzir sua história sem discursos panfletários ou ideologias.
Centrado na adolescente Joana (a excelente Jeanne Boudier), o longa se concentra em mostrar a dinâmica familiar da garota: sua relação com a mãe, o padrasto, o irmão e o filho de seu padrasto; e as mudanças nessa dinâmica quando eles retornam ao Brasil após a Anistia em 1979.
Para a jovem, abandonar a França e voltar ao “país da tortura” onde seu pai foi morto é inaceitável. Mas o retorno acontece, assim como o reencontro com a avó paterna, a descoberta de uma paixão adolescente e os encantos que sempre guardam a terra natal, seja ela qual for.
A produção tem enormes qualidades, especialmente no cuidado com cenários, roupas e visuais da época. A mãe de Joana, interpretada por Sara Antunes, usa uma camisa em uma das cenas, idêntica a uma que minha mãe usava na época. Sei disso porque tenho uma foto em casa para comparar.
Cortes de cabelo, veículos, enfeites e até termos usados nas falas, especialmente as de Lucia (Eliane Giardini), transportam os espectadores de maneira convincente ao início dos anos 80 no Brasil. Repare na cena em que Luis (Julián Marras), o padrasto de Joana, está numa manhã na cozinha do apartamento, após uma festa de aniversário acontecida na noite anterior: garrafas de vidro de diversos refrigerantes, o típico engradado de plástico com alças (em que cabiam quatro garrafas), numa representação fiel da família média brasileira naquele período.
Ainda assim, o filme tem alguns deslizes. Apesar de Boudier mostrar um nível excelente de atuação, bem como a maestria de Eliane Giardini – fazendo com que as cenas entre neta e avó sejam as mais satisfatórias do longa – Sara Antunes não está bem no filme e faz o nível geral cair bastante. Outra atuação que distrai o espectador é a de Antonio Carrara no papel de Ernesto. O ponto positivo é que, sendo ainda um garoto, há chance de melhorar muito sua atuação. Basta se dedicar.
Outro ponto que incomoda é o mote do filme, que suscita o título. Acompanhamos as descobertas de Joana que deslembra fatos vividos em sua infância. Aos poucos, os lugares, as conversas com a avó e as fotos e recortes de jornal começam a trazer vislumbres do seu passado. Até aí, tudo bem.
Mas é somente nas últimas cenas que Joana revela uma lembrança crucial e, sem mesmo dar tempo para que o espectador absorva a informação (que não foi passada em momento algum anteriormente), a mãe da garota desmente a lembrança, corrigindo a filha e esclarecendo que “não foi bem assim”. Uma pena. O arco narrativo teria sido extremamente fortalecido se a primeira informação estive sugerida de maneira um pouco mais clara no primeiro ato.
Um resumo fiel de Deslembro é sua trilha sonora, que alterna canções de ninar com rock e MPB; versões originais com versões interpretadas pelos atores no estilo “Malu Magalhães” – insossas e forçadas. Uma mistura de qualidades e defeitos um tanto irregular.
Entretanto, apesar dos tropeços o longa funciona e merece ser conferido. Afinal, se por desuso deslembramos até de palavras da nossa língua, o que dizer da memória e da nossa História?
Avaliação: Bom
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Trailer
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