Saiba como foi a misteriosa origem real do maior supervilão dos quadrinhos: o Coringa na revista Batman (1940) #1
Falar da origem do Coringa é um desafio, vez que ele mesmo conta uma história diferente a cada vez que é perguntado – que o diga a Dra. Harleen Quinzel –. O recorte mais aceito, pelo menos, é o de que estava com a roupa de Capuz Vermelho quando caiu em um tanque cheio de substâncias químicas, o que o deixou insano, com a pele branca e o cabelo verde. Essa é a versão que temos no clássico A Piada Mortal (1988), de Alan Moore e Brian Bolland, e no filme do Batman (1989) dirigido por Tim Burton, inspirados na Detective Comics (1939) #168, de 1951.
A estreia do Coringa nos quadrinhos, porém, é certa. Ele apareceu pela primeira vez na revista Batman de número #1, em maio de 1940. O Cavaleiro das Trevas havia estreado um ano antes, na Detective Comics (1939) #27, criado por Bob Kane (1915-1998) e Bill Finger (1914-1974). O sidekick Robin na edição #38, em abril de 1940.
Ou seja, a primeira revista dedicada ao Batman já contava com a Dupla Dinâmica formada, mas, até então, eles tinham enfrentado apenas líderes de gangues e cientistas loucos – como Hugo Strange, algo comum na época –. Faltava um supervilão emblemático que tomasse o lugar de arqui-inimigo do Homem-Morcego.
Capas de Batman (1940) #1 e da revista que trouxe “The Joker” para o Brasil, em 1989, pela Abril
Qual a trama da estreia do Coringa na revista do Batman (1940)
Na primeira página da história intitulada The Joker (O Coringa), temos um casal ouvindo rádio quando uma voz calma e fria diz: “Hoje, à meia-noite, eu vou matar Henry Claridge e roubar seu diamante! Não tentem me impedir! Eu sou o Coringa!”
É a primeira frase do vilão. Na página seguinte, Claridge, cercado de policiais e em pânico, vê os ponteiros do relógio indicarem a hora anunciada e, em seguida, cai no chão morto e com um sorriso no rosto. Os agentes descobrem que o diamante no cofre é falso e embaixo tem uma carta de baralho do Coringa. Se você leu O Homen Que Ri (2005), de Ed Brubaker e Doug Mahnke, sabe o truque do vilão. Muito dessa trama e do assassinato de Claridge é revisto no quadrinho de 2005.
No decorrer do roteiro, o Coringa segue noticiando pelo rádio quem serão suas próximas vítimas. Uma a uma, de formas diferentes e bem elaboradas, são roubadas e assassinadas. Após investigações, alguns encontros e desencontros, Batman e Robin conseguem, com trabalho de equipe e ação corpo a corpo, levar o vilão para trás das grades.
Porém, ainda em Batman (1940) #1, após meia dúzia de outras histórias, a revista termina com o retorno do Príncipe Palhaço do Crime em The Joker Returns (A Volta do Coringa). Na cadeia, ele tira dois dentes falsos da boca, cada um com uma substância que, se misturada, gera um explosivo. E assim, com a mirabolância que gostamos nos quadrinhos clássicos de super-heróis, ele escapa da prisão.
O primeiro encontro entre Batman e Coringa tem muita ação e o Morcego leva a pior
É quando conhecemos o primeiro esconderijo do vilão, que surge a partir de uma passagem secreta abaixo de uma lápide no cemitério. Os roubos e assassinatos seguem o mesmo modus operandi da história anterior, com o Coringa os anunciando previamente na programação de rádio. O que mudará é a estratégia do Batman, com a ajuda do comissário Jim Gordon, na tentativa de ludibriar o ladrão e levá-lo a uma emboscada. Tanto a primeira quanto a segunda história do Coringa possuem 13 páginas.
O que o Coringa já tinha?
É interessante perceber os traços marcantes que o personagem tinha desde a aparição inaugural. Esteticamente, o sorriso macabro é estampado desde a primeira página (imagem de capa desta matéria), bem como o sobretudo, calça e chapéu fedora roxos, colete e gravata de laço – embora sem as tradicionais cores verde e laranja –.
O gênio do mal perverso, o psicopata assassino, contrastando com o humor e aparência de palhaço já causavam impacto. O próprio Jerry Robinson (1922-2011) indica que essa era uma intenção inicial em entrevista ao New York Times de 2010. As cores, o sorriso e a extravagância também contrapunham o silêncio e a escuridão do estoico Batman.
Além da elaboração de planos diabólicos, a competência em se disfarçar, o ego inflado, o requinte em criar o caos e o terror na cidade – veja que o Joker anunciava seus assassinatos as massas pelo rádio – e o veneno que agia nos músculos faciais das vítimas, que morriam “sorridentes”, eram outros pontos definitivos no personagem em Batman (1940) #1.
Vale pontuar que, naquele momento, as aventuras do Batman se passavam em Manhattan, Nova York. Gotham City só apareceria na Batman (1994) #4.
O emblemático assassinato de Henry Claridge por Bob Kane, em 1940, e Mahnke, em 2005
A criação do Coringa
A criação do Coringa teve o envolvimento de Jerry Robinson – com apenas 18 anos –, Bill Finger e Bob Kane, respectivamente arte-finalista, roteirista e desenhista do Batman na época.
Os três trabalhavam incansavelmente no apartamento de Kane no Bronx, que por questões editoriais e contratuais, era o único que assinava o título até os anos 1960. Quem merece os créditos pelo Palhaço do Crime é motivo de debate até hoje.
O que se sabe é que uma carta de baralho de Robinson com o joker e uma revista de Finger com fotos de Conrad Veidt interpretando Gwynplaine – protagonista de O Homem Que Ri (1928) – foram duas influências diretas. O filme expressionista, dirigido por Paul Leni e inspirado no romance homônimo de 1869 escrito por Victor Hugo, conta o drama de um homem com a face desfigurada, aparentando estar sempre rindo, que se apaixona por uma mulher chamada Dea.
“Sempre pensei que os vilões eram mais interessantes. Acho que primeiro veio o nome: o Coringa. Então pensei na carta de baralho”, disse Robinson, jogador de bridge, à New York Time. Em resumo, ele fez o primeiro esboço do Coringa como uma carta de baralho e apresentou aos outros quadrinistas. Finger trouxe as imagens de Gwynplaine como referência e Kane desenhou contornos mais sinistros para o supervilão, entretanto não considerava o esboço de Robinson suficiente para creditá-lo como cocriador do Joker – treta! –.
Outra imagem que se acredita ter influenciado a equipe criativa é a do The Steeplechase Face, ou simplesmente Funny Face, mascote do primeiro parque de diversões de Coney Island, Brooklyn, o Steeplechase Park. A figura era famosa no início do século XX e, hoje, é um símbolo da região.
Amanda Conner e Jimmy Palmiotti fizeram referência ao Funny Face na capa de Harley Quinn (2014) #0. Assim como Gwynplaine, não é um personagem de terror, mas o sorriso exagerado causava estranheza e medo no público desde o início.
Uma curiosidade é que Finger quis matar o Coringa no fim do primeiro quadrinho. No entanto, o editor Whitney Ellsworth, percebendo o potencial do personagem, salvou o arqui-inimigo do Homem-Morcego, alterando a última página da HQ.
Da esq. para a direita, o esboço original de Robinson, o Gwynplaine do filme de 1928, e o Funny Face
A primeira edição de Batman (1940)
Antes de Batman (1940), a DC, então National Publications, possuía apenas duas revistas com títulos de super-heróis: Superman (1939) e Flash (1940). Todas com 68 páginas. Apesar de dedicada ao Cavaleiro das Trevas e ao Menino-Prodígio, acontecia de ter o respiro de um ou outro personagem diferente entre as HQs.
No caso da Batman (1940) #1, temos uma abertura de duas páginas com o resumo da tradicional história de origem do Batman; a estreia do Coringa em The Joker; uma HQ da dupla Major Bigsbe an’ Bots; uma solo do Batman contra gigantes do professor Hugo Strange; a estreia da Mulher-Gato tentando furtar joias em um navio – ainda sem a fantasia característica –; uma curta da Ginger Snap; e a segunda história do Coringa, The Joker Returns.
No Brasil, The Joker é publicada pela primeira vez pela editora Abril em outubro de 1989, em uma coletânea em “formatinho” (13,5 x 19 cm) com o título As Várias Faces de Batman. Desde então, foi republicada diversas vezes. As mais acessíveis são nos extras da edição de luxo de Batman: A Piada Mortal, lançada pela Panini em 2009 com várias reimpressões, e em Coringa: Antologia (2021), pela mesma editora e em capa dura. Esta opção é ótima, pois conta com The Joker Returns e outras histórias clássicas do vilão.
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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