Conheça a run que apresentou Sam Wilson como o novo Sentinela da Liberdade em: Capitão América por Rick Remender
Mesmo que você não acompanhe o mundo dos quadrinhos, já deve ter percebido a influência da run de Rick Remender na revista do Capitão América. O Universo Cinematográfico Marvel (UCM), hoje expandido para as séries e plataformas de streaming, teve a apresentação de Sam Wilson como o Sentinela da Liberdade na primeira temporada de Falcão e o Soldado Invernal (2021), dirigida por Kari Skogland e com boa avaliação da crítica.
Pois bem, Sam Wilson é o primeiro Capitão América negro dos Vingadores – é válido lembrar que, fora da equipe, houve o famoso Isaiah Bradley –, e quem construiu essa ideia foi justamente Remender, nos quadrinhos. A run tem cerca de 30 volumes, por onde passaram diversos artistas, como John Romita Jr., Klaus Janson, Stuart Immonen e Carlos Pacheco.
Vale contextualizar, o conteúdo saiu na Nova Marvel e é sequencial a espetacular fase do herói que teve início com Ed Brubaker e foi publicada pela Panini no formato Marvel Deluxe. A ordem dos títulos, abaixo, é uma sugestão que também servirá de guia de leitura. Então, vamos lá!
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Capitão América por Rick Remender
Soldado Invernal: Marcha da Amargura
Com o Soldado Invernal, Remender investe no clima de espionagem da Guerra Fria
Comecemos por uma digressão, que não foi a primeira história de Remender à frente do Capitão América, mas cronologicamente a mais antiga. Em Soldado Invernal: Marcha da Amargura (2016), os protagonistas são Ran Shen e Bucky Barnes, em sua versão de agente secreto russo, durante a Guerra Fria.
A minissérie saiu originalmente em cinco capítulos com o título Winter Soldier: The Bitter March (2014). Traz eventos relacionados às runs de Ed Brubacker e Remender, que a escrevia paralelamente a revista Captain America (2012).
A HQ é cheia daquele clima de espionagem no melhor estilo 007 e mostra os agentes da SHIELD, Nick Fury e Ran Shen, indo atrás de um casal de nazistas que conseguiu concluir um antigo projeto de Arnim Zola: a Fórmula Alquimia. O composto poderia mudar a direção de toda a geopolítica em favor de quem o detivesse.
A primeira sequência de ação se dá com os agentes da SHIELD buscando Peter e Mila Hitzig, aprisionados em um castelo da Hidra, para levar a fórmula aos EUA. No entanto, o Soldado Invernal surge no caminho da dupla com o objetivo de levar os cientistas e sua descoberta para a URSS.
O quadrinho é legal e, além de mostrar mais camadas da luta interna de Barnes, dá profundidade dramática ao vilão que será conhecido como Prego de Ferro. Portanto, faz sentido ler a minissérie antes de O Soldado do Amanhã (2014), desde que conhecendo pelo menos o enredo de Capitão América: O Soldado Invernal (2005).
Winter Soldier: The Bitter March (2014) de #1 a #5 pode ser lido no encadernado de capa cartão de 2015 da Panini, com 108 páginas, ou na coleção “Os Heróis Mais Poderosos da Marvel” nº 62, da Salvat, 2017, com títulos do Soldado Invernal. A arte é simples, contudo, funciona, de Roland Boschi e cores de Chris Chuckey.
Náufrago na Dimensão Z
O herói e os perigos de ter uma família: Rogers agora tem um filho
Como história fechada, apesar de sem grandes invenções, Náufrago na Dimensão Z é possivelmente a mais interessante de ler, pois além de bem construída, deixa Steve Rogers marcado para sempre. O fato de toda a arte ter sido feita por John Romita Jr. dá uma sensação de coesão para o arco. Klaus Janson (Demolidor) é o arte-finalista e as cores ficam por conta de Dean White (Ronin Americano), normalmente com algum apoio.
A HQ nos remete àqueles sci-fi em que o protagonista precisa aprender a viver isolado em um planeta ou tempo distante, invariavelmente com desafios como monstros e população inóspita. No início, Steve Rogers, a pedido de Sharon Carter – Agente 13 –, investiga um misterioso trem que surgiu em uma linha abandonada há mais de 80 anos.
De uma forma surreal que lembra a origem do Shazam, o metrô leva Rogers à Dimensão Z, onde é capturado por Zola – criação do lendário Jack Kirby –. O vilão fez um bebê e uma menina – Ian e Azeviche – em laboratório para serem seus filhos e ajudarem em seus planos.
Na fuga do castelo de Zola, o Capitão América salva o mais novo. É então que começa a narrativa de sobrevivência, com Rogers criando Ian como filho por mais de 10 anos, o ensinando sua moral em um mundo cheio de selvagens e monstros dominados pelo vilão.
Descobriremos que o plano de Zola é levar a Dimensão Z e suas criaturas para Nova York, iniciando o esquema de dominação do planeta Terra. Paralelamente, durante toda a HQ, Remender nos mostra a infância de Rogers, ainda franzino, quando era perseguido por crianças maiores na rua e via um pai violento em casa. É a mãe dele que, mesmo doente, tenta amparar o filho e transmitir os ensinamentos de vida da família.
O arco saiu originalmente na Captain America (2012) de #1 a #10, publicado em edição de luxo pela Panini em 2018, 268 páginas.
O Soldado do Amanhã
(com spoilers do arco anterior)
O quadrinho tem ótimas cenas de ação, principalmente para quem acha Zola um vilão “B”
Steve Rogers está de volta à Nova York, entretanto, foi impactado para sempre. Com o fim de Náufrago na Dimensão Z, teve que elaborar o trauma de ver a morte do filho e da amada após dez anos em outro mundo, que passou a considerar sua casa.
Uma analogia para os militares que permanecem anos e anos no front e voltam para seu país em corpo, mas com a cabeça ainda na guerra. Toda a trama será concomitante a uma busca do protagonista por se reorganizar psicologicamente. Para bagunçar ainda mais, na Terra, se passou menos de uma hora do desaparecimento de Rogers.
A fase saiu em Capitain America (2012) de #11 a #25, publicada em edição de luxo pela Panini em 2022, com a inclusão de Marvel 75th Anniversary Celebration #1, totalizando 352 páginas. A maior parte desenhada por Carlos Pacheco e Nic Klein.
A sequência possui três partes. A primeira tem como mote o confronto do Bazuka, cobaia do Projeto Arma VII utilizada pelo governo norte-americano durante a Guerra do Vietnã.
Remender explora os contrastes. Enquanto o Capitão América era o símbolo do Estado para uma população que apoiava os militares de seu país nas Grandes Guerras da primeira metade do século XX, Bazuka teve que enfrentar o escárnio de boa parte dos estadunidenses que se posicionaram contra a Guerra do Vietnã. Eles não viam mais os soldados como heróis. É a partir desse ressentimento que o vilão sai fazendo as maiores barbaridades em um país chamado Nrosvequistão.
Em um segundo momento, vemos a união de os novos vilões Prego de Ferro e Doutor Bolha Mental. Este parece ter saído daquelas HQs rocambolescas de super-heróis da Era de Ouro e carrega uma estética nostálgica que soa como o Charada (do Batman) em uma versão mais lisérgica. O poder dele é prender as pessoas em bolhas de sonho, onde elas passam a viver fantasias.
Já o Prego de Ferro é um revival dos vilões clichês do século XX, normalmente chineses ou russos, comumente envolvidos em questões de espionagem. No caso, um ex-agente oriental da SHIELD (ler Soldado Invernal: Marcha da Amargura) que se debelou para o lado do mal e busca a tecnologia da antiga agência secreta para suas ações. O objetivo? Voltar o mundo contra os EUA.
Existem nuances legais destacadas por Remender, como a SHIELD colocada nitidamente na posição de vilã ao criar armas que nunca poderiam ser desenvolvidas, assumindo o risco de um dia elas caírem em mãos erradas. Agora, aquela coisa estereotípica da guerra cultural norte-americana, de uma forma rasa, em relação ao personagem “oriental comunista”, fica meio fora de época. Pior, quando Rogers precisa tomar medidas audaciosas, obedece a ordens bizarras pelo simples fato de ser um “soldado”, voltando àquele personagem estereotipado que tantos autores tentaram se distanciar de forma inteligente nas últimas décadas.
Por fim, meio que de surpresa, temos o retorno de Zola a Nova York, com o apoio do Caveira Vermelha. Algo que vinha dando pistas nas subtramas envolvendo Azeviche. Como Rogers, ela precisa se adaptar ao novo mundo.
Um dos pontos fortes da HQ é que Remender consegue dar tons dramáticos familiares e existenciais ao Capitão América. Ele também prepara o terreno para o surgimento do novo Sentinela da Liberdade.
Capitão América: Sam Wilson Vol. 1
(com spoilers dos arcos anteriores)
O novo Capitão América entra em ação com asas e a ajuda de Asa Vermelha
O arco anterior tem, como efeito da última batalha, Rogers perdendo o Soro do Supersoldado e sofrendo de envelhecimento hiper acelerado – daqueles acontecimentos mirabolantes que mudam tudo de uma hora para outra, mas nós adoramos –. Com isso, ele vai para o trabalho de apoio e elege seu substituto.
Já aqui, temos os dois primeiros arcos com Sam Wilson como Capitão América: A ascensão da Hidra (2015), arte de Stuart Immonen e Wade Von Grawbadger – espetaculares – e cores de Marte Gracia, e O medo que ele inspira (2015), arte de Szymon Kudranski e cores de Andres Mossa. Saíram originalmente nas revistas All-New Captain America (2015) de #1 a #6 e All-New Captain America: Fear Him (2015) de #1 a #4.
A premissa de A ascensão da Hidra é simples. O grupo terrorista tem um plano para dominar o mundo e instaurar o genocídio de outras raças de forma silenciosa: deixando todos os cidadãos do planeta, menos eles, estéreis, com a ajuda de um inumano. Neste plano, são liderados pelo Barão Zemo, com a participação de diversos outros vilões, como Ossoscruzados, Batroc, Víbora, Sangue, Armadílio, Rei Cobra e Pecado (Sinthia Schmidt). Todos com destaques pontuais e bem colocados.
No começo da aventura, o novo Capitão América entra em um esconderijo da Hidra atrás do Nômade – identidade de herói herdada por Ian –, que investigava o caso. A partir de então, teremos uma continuidade frenética de enfrentamentos enquanto Wilson vai descobrindo os planos da Hidra. A escala global do plano e a tecnologia de teletransporte faz com que a história, além de passar por diversos países, conte com lutas que começam em Madripoor e terminem nos EUA, por exemplo.
Válido pontuar ainda a participação de Nômade, parecendo tomar o lugar que o Falcão tinha para o Capitão Steve Rogers. E a estratégia de Wilson na conclusão do arco, quando tudo realmente parecia perdido, é das mais rocambolescas e divertidas, levando em conta seus poderes. Mas, sem spoilers.
Neste arco, Remender continua utilizando questões políticas sem tato, o que pode ser considerado um dos pontos questionáveis da run. Ele sempre associa os discursos da Hidra, de cunho nazista, com os discursos anti-imperialistas típicos dos países comunistas. O detalhe é que o nazismo, na vida real, atacava os dois lados do que se tornaria a base da Guerra Fria – EUA e URSS –. Com isso, o autor simplifica temas complexos – onde Ed Brubaker se saiu melhor e mais cuidadoso, diga-se de passagem –. Sim, estamos falando de quadrinhos, porém, em épocas de pensamentos extremistas tão complicados, Remender pode colocar mais lenha na fogueira.
O Espantalho (Ebenezer Laughton) aparece como nêmese em O medo que ele inspira. Não confunda com o vilão do Batman, Jon Crane, de 1941, mesmo que com semelhanças estéticas. O da Marvel surgiu em 1964 na revista Tales Of Suspense (1959) #51, contra o Homem de Ferro. O poder de induzir o medo, presente em ambos, vem de habilidades sobre-humanas no vilão da Marvel.
Outra característica é que esse Espantalho controla grupos enormes de corvos, o que nos sugere uma rivalidade incrível para um super-herói que conversa telepaticamente com pássaros – feliz ou infelizmente, não temos guerras de aves no arco –.
Na história, Nômade cai de um prédio enquanto ajuda o Capitão América a prender assaltantes de banco. Acaba na rua abandonada em que o Espantalho mantinha um homem refém. Laughton leva ambos para os esgotos, onde mantém seu esconderijo.
Lá, Sam e Ian encontrarão crianças de rua que montaram e vivem em uma infraestrutura subterrânea. A dupla precisará criar uma estratégia para fugir do terror psicológico do Espantalho, dos corvos, e libertar os pequenos. O vilão tem especial interesse no Nômade, pois é um personagem sem medo, devido às características com que foi criado na Dimensão Z. Ele acredita que Ian não saberá controlar o pavor quando senti-lo, justamente por nunca ter tido contato com o sentimento.
O arco parece misturar coisas d’As Tartarugas Ninja e do Batman – sobretudo quando lembramos de enredos nos esgotos – com uma pegada de terror. Curiosamente, o personagem Espantalho surgiu apenas um ano depois do lançamento de Os Pássaros (1963), de Alfred Hitchcock, uma possível influência.
Salve a Hidra
(com spoilers dos arcos anteriores)
Criado com ideais de liberdade, Nômade se depara com os EUA dominados pela Hidra
Outra digressão. Salve a Hidra (2015) acontece logo após o final de A ascensão da Hidra, quando Nômade explode junto do Barão Zemo na base dos vilões. Acontece que, na verdade, ele consegue fugir pelo elevador infinito interdimensional da organização criminosa, indo parar na América do Mundo Bélico – aquele criado pelo Doutor Destino na saga Guerras Secretas (2015) –.
Sim, trata-se de um tie in, o único escrito por Remender. Nesta realidade, o território dos EUA foi fundado como “Confederação Unida da Hidra”, que domina tudo a mãos de ferro. A sacada do roteiro é demais, pois consegue unir a realidade da mega saga com a revolta do personagem criado pelo autor – Ian Rogers – ao ver toda aquela sociedade distópica. Um paralelo bem-sucedido do que Zola queria a partir de a Dimensão Z.
É uma leitura mais legal para quem acompanhou a fase de Remender com o Capitão América, pois trabalha justamente as características do Nômade como protagonista. Durante a aventura, ele se encontrará com sua versão daquele mundo, Leopold – nome original dado por Zola –, quem provavelmente seria se não fosse criado por Rogers. O objetivo de Ian é voltar para a realidade 616, não sem antes ajudar os heróis locais.
O tie in saiu em Hail Hydra (2015) de #1 a #4, arte de Roland Boschi e cores de Chris Chuckry, sem grande destaque. Foi publicado no Brasil no encadernado Guerras Secretas: Os Vingadores 4 – Salve a Hidra (2016), 116 páginas e lombada de grampo, que inclui Hank Johnson, Agent of Hydra (2015) #1, esta com roteiro de David Mandel e arte de Michael Walsh.
Vale a pena ler?
Os principais pontos fortes e fracos da leitura foram colocados no decorrer do texto. Em uma análise crítica honesta, é perceptível que a run de Rick Remender não chega perto da qualidade da run de Ed Brubaker, autor do clássico O Soldado Invernal (2005). Apesar disso, apresenta uma sequência boa de tramas, com ótimas ideias e eventos que são marcos indiscutíveis na vida do Capitão América: o surgimento de um filho, a derrocada moral da SHIELD e o início da fase Sam Wilson, com Rogers assumindo o posto de “Oraculo” e voz da experiência.
Colocar um homem negro no uniforme do super-herói que representa a bandeira e os ideais dos EUA, país que carrega um antigo e violento problema de racismo e segregação, é bem-vindo. Seria praticamente impossível em 1941, quando a revista surgiu. Remender soube levar bem as nuances dessa situação política na HQ, além de dar um ar novo ao personagem – paradoxalmente, utilizando-se de um nome antigo –. Não é necessário falar mais sobre a importância da representatividade nos quadrinhos, o que, neste caso, não soa nada forçado.
Remender adiciona bons elementos pessoais ao Sam Wilson, como a relação com Misty Knight – que evoluirá nos arcos seguintes – e com Azeviche, o convívio com a irmã e os sobrinhos e os flashbacks com o pai – um dos mentores intelectuais do herói –, dando contornos interessantes e razoável profundidade ao personagem.
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Avaliação: Bom!
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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