A força da opinião pública em Batman: Cavaleiro Branco.
Quando a DC Comics anunciou Batman: White Knight (Batman: Cavaleiro Branco no Brasil) em 2017, eu não me animei: a premissa me parecia simples e não trazia nenhuma novidade para a já muito explorada rivalidade entre Coringa e Batman.
Demorei bastante para ler a minissérie (trazida pela Panini Comics em 8 edições em 2018), e confesso que só dei uma chance para a HQ de Sean Murphy e Matt Hollingsworth depois que soube da continuação Batman: A Maldição do Cavaleiro Branco (Batman: Curse of the White Knight, 2019 – 2020), já em publicação pela Panini Comics aqui no país.
Muito bom poder dizer que eu estava errado e que a obra de Murphy merece todo o falatório ao seu redor: a premissa (simples e que não faz jus a história) é que o Coringa agora é o herói de Gotham e que o Batman começou a ser mal visto – passando a ser o vilão.
Uma premissa assim passa longe de ser novidade – Armageddon 2001 (1991), por exemplo, traz um futuro alternativo com essa ideia – mas o desenvolvimento e as ideias do autor fazem com que a HQ construa algo memorável.
Duas Arlequinas se digladiam pelo amor do Coringa em Batman: Cavaleiro Branco da DC Comics.
Murphy já abre sua primeira edição mostrando que vai ser memorável: Jack Napier, o Coringa recuperado, começa sua caminhada para mostrar ao povo de Gotham que o Batman faz muito mais mal do que bem e que a cidade não possui nenhum problema especial que não possa ser tratado pela polícia. Os argumentos de Napier e a recuperação do antigo Coringa chamam a atenção e contrastam com um Batman revoltado pelo simples fato de o antigo Palhaço do Crime estar conseguindo atenção.
Asa Noturna, Jason Todd, Arlequina, Comissário Gordon e até Duke Tomas dão as caras em versões muito parecidas com as que estamos acostumados (em alguns casos não há qualquer diferença) – e isso torna a história ainda mais poderosa, já que ela poderia estar acontecendo no universo regular.
Vale falar detalhadamente das duas Arlequinas inseridas na história por Murphy: uma é claramente a tradicional – criada por Paul Dini e Bruce Timm na série animada – e a segunda é uma crítica à reformulação que a personagem sofreu pós Ponto de Ignição (Flashpoint, 2011) – se tornando mais sexualizada e “boba”. As duas versões são bem trabalhadas na HQ e trazem um conflito pela alma de Jack Napier que se torna, em algum ponto, central na trama. Um “golaço” da narrativa!
Coringa e sua veneração pelo Homem Morcego aparece em Batman: Cavaleiro Branco de Sean Murphy.
Todos esses elementos são interessantes, mas o que mais chama atenção na HQ é justamente a forma como Coringa, Jack Napier, consegue colocar toda Gotham City contra o Homem-Morcego em pouco tempo. Até os mais próximos, como Asa Noturna e Gordon, parecem dispostos a trair o Batman e abandoná-lo.
A manipulação é interessante porque parece extremamente real: temos o Coringa, por exemplo, se unindo à líder das áreas mais pobres da cidade e “mostrando” que nem o Batman, nem o GCPD se importam com os mais pobres. Alguns eventos mascarados e meia dúzia de dados fora de contexto são o suficiente para que os protegidos se virem contra o personagem que sempre defendeu Gotham.
O Batman tem suas falhas – claro! Afinal não parece muito politicamente correto entregar a segurança de uma cidade a um homem encapuzado que faz o que quer… mas é interessante notar como conceitos relacionados a “gratidão” e “confiança” são abandonados rapidamente em prol de um novo salvador – que até então era o bicho papão de Gotham.
A HQ ainda mostra debates entre jornalistas e discursos do novo salvador da cidade para ir mostrando para o leitor, passo a passo, o processo de “fritura” que se abate sobre o Cavaleiro das Trevas. É impactante e magnético porque é REAL – se pergunte se você já não viu a TV ou seus amigos endeusando criminosos e cuspindo “dados fora do lugar” para defender um ponto de vista…
Batman é abandonado por Gotham em Batman: Cavaleiro Branco de Sean Murphy.
Dizem que a arte imita a vida. O mérito de Sean Murphy é pegar um personagem tão importante para a cultura pop e mostrar como um manipulador ardiloso pode destruir qualquer um através da opinião pública – até o Batman.
Claro que Batman: Cavaleiro Branco pode ser lido como uma história de confronto tradicional, mas os mais atentos vão perceber uma profundidade nas atitudes de Napier que emula muito bem a vida real – apesar das capas de couro e das maquiagens brancas.
Será que o regenerado Coringa e sua Arlequina estão preocupados com o povo? Será que ele sempre foi um injustiçado e agora sim acordamos para a realidade? Seria o Batman um mal necessário?
As nuances de Batman: Cavaleiro Branco são muitas e é difícil não se envolver com a história e pensar: como o Homem-Morcego poderia ter combatido a opinião pública para ter Gotham do seu lado?
Uma leitura que vale seu tempo e vai te deixar pensativo mesmo depois de ter acabado.
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