A Vida Invisível | |
Ano: 2019 | Distribuição: Vitrine Filmes |
Estreia: 21 de Novembro |
Direção: Karim Aïnouz Roteiro: Murilo Hauser, Inés Bortagaray, Karim Aïnouz (roteiro); Martha Batalha (baseado no livro A Vida Invisível de Eurídice Gusmão de) |
Duração: 139 Minutos |
Elenco: Fernanda Montenegro, Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier |
Sinopse: Rio de Janeiro, década de 1940. Eurídice (Carol Duarte) é uma jovem talentosa, mas bastante introvertida. Guida (Julia Stockler) é sua irmã mais velha, e o oposto de seu temperamento em relação ao convívio social. Ambas vivem em um rígido regime patriarcal, o que faz com que trilhem caminhos distintos: Guida decide fugir de casa com o namorado, enquanto Eurídice se esforça para se tornar uma musicista, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento sem amor com Antenor (Gregório Duvivier).
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A Vida Invisível e as mulheres que tal vida habitam
Aposta brasileira para uma vaga na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, longa de Karim Aïnouz é imprescindível e estreia nesta quinta-feira, 21 de novembro
por Alexandre Baptista
Há tanto para se falar de A Vida Invisível. Em primeiro lugar, o mais urgente e premente é a visceral demonstração da causticante e nociva presença masculina de viés machista que é esfregada na cara do espectador de forma impiedosa pelo habilidoso roteiro que adapta o livro de Martha Batalha, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2016) e pela sublime direção de Karim Aïnouz.
A respeito de tal temática e alguns pontos de convergência entre este longa e Maria do Caritó de João Paulo Jabur, confira matéria especial aqui.
Em segundo lugar, a trama em si, que se constrói através de sucessivos dissabores e desgraças ocorridas na vida das irmãs Gusmão, Guida e Eurídice, quase sempre provocadas por homens que as tratam como adereços ou mesmo seres inferiores a serem direcionados ao bel prazer masculino. A magia do longa é desfiar uma história absurdamente particular que guarda paralelos com a vida de milhares de brasileiras. É virtualmente uma certeza encontrar em qualquer família alguma história similar, tornando o longa e as personagens, extremamente empáticas ao público.
O magistral paralelo da Eurídice de A Vida Invisível encontra eco na Eurídice grega; no entanto, onde a busca incessante e por final sem sucesso de Orfeu acontece, temos a busca de Guida pela irmã, atravessando seu próprio Hades.
Apesar de a edição do longa deixar a desejar e haverem muitos problemas de continuidade bastante evidentes, fica nítido que a direção de Aïnouz está preocupada com o aspecto psicológico da cena e não o realismo e a literalidade. Certos exageros narrativos assumem características arquetípicas, numa representação que abarca as aflições femininas e as agruras humanas como um todo.
Os ângulos de câmera e enquadramentos do diretor também não são casuais: o longa é claustrofóbico e marginal, como se os espaços estivessem contendo as personagens à força, a contragosto e o espectador estivesse tão somente espiando uma conversa dos vizinhos. Raros são os enquadramentos mais abertos e o uso do close up e do plano americano, profusos, se tornam incômodos e sufocantes. A plateia participa da cena de enxerida, sem ser convidada. Um grande exemplo disso é a cena de sexo – que se inicia no piano de Eurídice (Carol Duarte) e continua por insistência de Antenor (Gregório Duvivier) -, totalmente espiada pelo canto, invadida pelo olhar do público.
A trilha sonora de Benedikt Schiefer é irretocável e reflete a angústia da trama de maneira delicada, emocional e verdadeira.
No entanto, o áudio do longa, de modo geral, tem problemas. É possível notar diferenças de captação de maneira bastante evidente em uma conversa entre Eurídice e sua mãe, Ana Gusmão (Flávia Gusmão) enquanto é banhada pela filha. Mas, novamente, algo que pode ser relevado sem grandes problemas.
O elenco oscila um pouco e, ao passo que temos participações incríveis de Fernanda Montenegro (como sempre irretocável), Cristina Pereira, António Fonseca (impecável) e Julia Stockler, a própria protagonista Carol Duarte peca em algumas cenas e, infelizmente, a abordagem de Gregório Duvivier para Antenor é o grande defeito do filme.
Embora Antenor seja um forte e crível personagem arquetípico, Duvivier parece não entender a dimensão de homem brasileiro dos anos 50, dando a ele uma suavidade e leveza que deveriam inexistir. Além disso, suas inflexões vocais dão a impressão de que ele está prestes a entregar uma punchline ou fazer alguma piadinha sobre qualquer coisa. Talvez Cauã Reymond, Wagner Moura ou Rodrigo Lombardi fossem escolhas mais acertadas para o papel. Uma pena.
Ainda assim, as qualidades de A Vida Invisível superam seus defeitos e a conclusão do pungente melodrama certamente não deixa nenhum espectador impassível. Com a crescente probabilidade de que ele seja um dos concorrentes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – de acordo com o THR – seu indigesto alerta possivelmente repercutirá ao redor do mundo.
Tomara. Pois sua incômoda realidade, mesmo passados 65 anos, ainda é presente em muitos lares em diversos países. Infelizmente.
Avaliação: Excelente!
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