Sobre imigração, conheça uma das melhores e mais poéticas HQs mudas já criadas: A Chegada de Shaun Tan
Shaun Tan é australiano, formado em Belas-Artes e Licenciatura Inglesa pela Universidade da Austrália Ocidental em 1995. Escritor, quadrinista e cineasta premiado, incluindo com o Oscar, em 2011, na categoria “Melhor Animação em Curta-Metragem”, por The Lost Thing (2009).
A Chegada (2006), publicado no Brasil pela editora SM em 2011, lhe rendeu o prêmio de Melhor Livro Ilustrado do Ano, do Children’s Book Council of Australia (CBCA), o Hugo Award de Melhor Relato (EUA) e o prêmio do Festival Internacional de Angoulême (França).
A HQ é muda, poética, desenho P&B, 128 páginas em VI capítulos. Com dimensões grandes – 31 cm x 23.2 cm – e capa dura, somados ao estilo realista de arte sem balões, parece muito com aqueles tradicionais e belos catálogos de arte que antigamente encontrávamos em qualquer mesa de centro. O tema do livro é o estrangeiro e a imigração.
O imigrante de Tan chega com poucos objetos e muitas lembranças
Qual a trama de A Chegada de Shaun Tan
Em A Chegada, acompanhamos um homem de feições orientais – aparentemente originário do pai de Tan, imigrante maltês – que vai para o “novo mundo” abrindo caminho para, posteriormente, tentar levar filha e esposa.
De início, conhecemos a casa da família, nos últimos preparativos para a viagem do patriarca. Os quadros, pequenos, focam em objetos simples da casa. Relógio, xícara lascada, desenho da criança, retrato de família…
Percebemos itens de grande valor afetivo, forma empática que o autor encontrou de imergir o leitor naquela narrativa. Muitas vezes, os imigrantes levavam para o enfrentamento do novo apenas recordações.
As artes de página inteira ou dupla são impactantes. Na primeira, o casal com a mala fechada, feições tristes bem delineadas. É na sequência que os elementos de fantasia entram e percebemos o motivo da “fuga”. A área está infestada de monstros, representados por estranhas caudas.
A nova cidade, inspirada em Nova York quando recebia grandes navios de imigrantes, é retratada de forma lúdica e onírica. Os animais são criados por Tan, parecendo monstrinhos.
A região é cheia de chaminés, possivelmente referência a Revolução Industrial e ao aumento das populações urbanas. Porém, totalmente fantasiosa. É difícil entender totalmente sua arquitetura e organização, embora com certa beleza. Não é assim a vista para um jovem imigrante?
Belíssimos quadros de duas páginas, com um mundo totalmente novo e de difícil apreensão.
Lá, vemos o protagonista lutar para conseguir trabalho, se encaixar e conhecer outros imigrantes, das mais variadas culturas. Paradoxalmente, imagens de longa distância mostram como ali são todos iguais, números na engrenagem.
É por meio dos recém-conhecidos que vamos tendo acesso a outras histórias de estrangeiros e chegadas, de forma concisa, mas ainda assim interessantes. Uma forma de afastar a solidão. Será que a família voltará a conviver?
Vale a pena ler?
O tema é real. Tan buscou inspiração em dezenas de imigrantes, livros, trabalhos fotográficos e artísticos como os livros The Immigrants (1977), de Wendy Lowenstein e Morag Loh, Tales From a Suitcase (2001), de Will Davies e Andrea Del Bosco, as fotografias de Ellis Island, Nova York – poderiam ser da extinta Hospedaria dos Imigrantes da Mooca –, e da Europa pós-guerra, os postais antigos e passaportes.
Mas ao transformar tudo isso em arte, o quadrinista optou pelo caminho do onírico, com toques de surrealismo, retrofuturismo e do expressionismo que nos remonta ao cinema alemão do início do século XX – impossível não passar pela cabeça Fritz Lang, F. W. Murnau e contemporâneos –.
Essa dicotomia entre real e fantasia também é vista nos traços de Tan, que apesar de realistas à la Alex Raymond (Flash Gordon) e Gustave Doré, nos levam a um mundo totalmente novo e inventivo. As cenas são urbanas e bem preenchidas pelo taciturno lápis preto e branco.
Vale destacar que o enredo é singelo, no entanto, o conceito de estrangeiro é impecavelmente trabalhado, como as emoções envoltas em tal vivência. O foco não está na xenofobia, mas nos desafios internos e externos do protagonista sem nome – descobrir onde comer, dormir, morar, trabalhar, como se adaptar –.
As passagens de tempo, algo do qual a percepção do imigrante é única, são criativas e poéticas, com dezenas de nuvens tediosas ou a vida toda de uma flor.
Encaixam-se perfeitamente no período de incertezas dos que só levavam as lembranças, vontade e esperança na mala. Para quem, como o autor, tem pais e avós migrantes e imigrantes, uma nostalgia a mais na leitura. A Chegada nos faz entender o motivo de os quadrinhos merecerem a alcunha de nona arte.
Tan mostra a passagem do tempo pelos ciclos de uma planta, como o restante, inventada por ele
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Avaliação: Impecável
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Créditos:
Texto: David Horeglad – @hq_ano1
Imagens: Reprodução
Edição: Diego Brisse
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